Neil Young, coadjuvante do Crazy Horse?
Molina, Talbot, Lofgren & Young – All Roads Lead Home
43′, 10 faixas
(Reprise)
Quem acompanha a carreira de Neil Young sabe que sua mitológica banda, Crazy Horse, é uma entidade, digamos, com identidade e modos próprios. Geralmente sua presença em álbuns do bardo canadense (quatorze ao todo) demonstra um trabalho de equipe instintivo, fruto de uma colaboração que começou há mais de cinquenta anos. É curioso que, após tanto tempo, este seja o primeiro álbum em que a parceria destes senhores com Young aconteça desse jeito – com cada um compondo e gravando isoladamente suas canções, para depois juntá-las num único álbum, que amarra o ramalhete musical de forma conceitual, unificando as faixas e dando contexto a elas: são canções compostas e gravadas durante a pandemia da covid-19, feitas sem a interferência dos outros parceiros. Sendo assim, Nils Lofgren, Billy Talbot e Ralph Molina contribuem, cada um, com três faixas e Neil Young, o chefe, o dono da bola, entrega uma versão acústica de “Song Of The Seasons”, originalmente composta para o ótimo “Barn”, última colaboração dos quatro, de 2021. Sendo assim, grosso modo, poderíamos dizer que este “All Roads Lead Home” é um disco do Crazy Horse praticamente sem Neil Young.
Com este contexto, o álbum poderia soar pouco coeso, mas a força inesperada de algumas composições compensam. Além disso, não há qualquer diferença notável aqui em relação aos trabalhos mais recentes do Crazy Horse, mostrando que o trio e Young já devem vir operando deste jeito há tempos. Além disso, cada integrantes da banda é cascudo o bastante para evitar qualquer tipo de armadilha conceitual. O que cada um entrega aqui é fruto de um momento específico em suas vidas, algo que, dada a amizade e proximidade dos quatro, faz com que haja uma unidade acima do normal entre as faixas. É como se estes senhores jogassem por telepatia, como se adivinhassem onde o outro estará em campo, algo, por assim dizer, indizível.
Além desta questão, o material entregue é muito acima da média e, diria eu, bate até o ótimo repertório de “Barn”, o discaço que eles lançaram em 2021 e que interrompeu uma longa sequência de trabalhos abaixo da média. Se contarmos os lançamentos de Neil Young com e sem o Crazy Horse, o placar indica que “Prairie Wind”, do longínquo ano de 2005, foi um álbum interessante. De lá pra cá, com vários discos lançados em projetos paralelos, complementares, plurais e solo, Young só entregou o igualmente interessante “The Monsanto Years”, em 2015, gravado com a banda Promise Of The Real. Convenhamos, é pouco para um monstro da canção pop universal como Neil. Porém, analisando friamente, este novíssimo trabalho não é exatamente um disco dele. Por mais colaborativo que seja, “All Roads Lead Home” indica que Young precisa – e muito – da presença do trio de músicos veteranos na criação e concepção de seus trabalhos.
Saltam aos ouvidos quatro composições lindas. A primeira, de autoria do baixista Billy Talbot, é “Cherish”, que tem um jeitão de rock lento, clássico e revivalista de gente dos anos 1990 querendo recriar climas dos anos 1970 com sucesso. A melodia é linda, o arranjo é impressionante. “Look Through The Eyes Of Your Heart” é a mais Crazy Horse das canções do álbum, totalmente revestida daquela poeira da estrada imaginária na qual vemos Young e seus parceiros indo e vindo. O pai da criança, no entanto, é o baterista Ralph Molina, cuja banda de acompanhamento – cada integrante usou seus próprios músicos de acompanhamento nas gravações – se mostra não menos que excelente. Tem a lindeza de “Go With Me”, faixa que Nils Lofgren entrega em versão quase demo, com muito do DNA da outra megabanda da qual faz parte, a E Street Band, de Bruce Springsteen. E “The Hunter”, outra de Billy Talbot, um rock lento, lindo, esparso e triste, que poderia ser da The Band, caso ela ainda existisse em 2023.
“All Roads Lead Home” é um discaço inesperado. Revela a beleza das canções de sujeitos que são coadjuvantes de um filme épico, talvez com atraso, mas que sempre estiveram presentes. E abre espaço para um novo fôlego nessa colaboração que já vai longe no tempo. Surpreendente.
Ouça primeiro: “Go With Me”, “Cherish”, “The Hunter, “Look Through The Eyes Of Your Heart”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.