Mate sua saudade do Air com JB Dunckel

 

 

 

JB Dunckel – Carbon
37′, 9 faixas
(Prototyp)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

JB Dunckel é metade do Air, o duo de pop eletrônico francês que despontou no fim do século passado, com seu segundo álbum, “Moon Safari”. Precisamente lançado em janeiro de 1998, este trabalho estabeleceu os parâmetros para o que seria a obra do Air – uma música que soa melancolicamente moderna, baseada em influências tão distintas quanto as trilhas sonoras setentistas, o trabalho do Kraftwerk, o soul/jazz de Quincy Jones e, vá lá, a música exótica de gente como Martin Denny. O Air, que Dunckel integra ao lado de Nicolas Godin, tornou-se um dos nomes mais queridos da música sintética no mundo e construiu uma carreira muito bacana, com ótimos discos e participações em trilhas sonoras, notadamente a de “Virgin Suicides”, de Sofia Coppola, um filme que parece espelhar em imagem o clima de sonho que a própria música do Air suscita. Dunckel, assim como Godin, tem uma carreira sólida fértil e interessante. No caso dele, as trilhas para o cinema são o grande fio condutor de seu trabalho, mas, de tempos em tempos, ele volta a este universo de tempos idos e vindos e lança um álbum que recupera a música do duo. “Carbon”, por exemplo, é seu terceiro álbum nesta seara e é, certamente, o mais devedor dos climas e estéticas do Air.

 

Gravado no Atlas Studio, em Paris, “Carbon” é um álbum que trata do futuro com as informações do presente que temos hoje. O título já entrega uma parte da ideia, que busca no elemento químico tanto as estruturas para a existência da própria vida, como a permanência através do tempo, sob a forma cristalizada, pela possibilidade de fornecer energia, e, ao mesmo tempo, poluir. A partir daí, podemos notar que várias facetas e visões irão compor um painel abstrato e belo, no qual, como a música do Air, há robôs e carne, chips de processamento e sangue fluindo, bytes e bits e neurônios. Só que, no passado, Dunckel era um cara mais otimista, especialmente em relação a este tema que lhe é tão caro: o futuro. Se o Air já pensou em safáris lunares e em faixas como “Surf Rocket”, a visão sobre a nossa insignificância diante do tamanho do universo parece ser o que há de mais forte permeando as faixas de “Carbon”. Tudo é tão gigantescamente impossível, distante, intangível, que só nos restaria uma prisão distópica de pequenas grandes coisas cotidianas.

 

Aqui, oprimido pela beleza, pela solidão, pela distância, tão intangíveis que se tornam até belas, Dunckel constrói esta pequena sinfonia de referências em menos de quarenta minutos e nove faixas. Tudo é belíssimo, impecavelmente produzido e concebido e soa como um Air mais velho, mais sábio, mas nunca banal. As referências e formatos seguem totalmente válidos e interessantes. Por exemplo, a presença da voz feminina que paira sobre uma determinada canção – algo que o Air tornou uma de suas marcas – aqui está a cargo de Heather D’Angelo, do grupo Au Revoir Simone. Ela faz um trabalho belíssimo em “Space”, uma das faixas mais melancólicas presentes em “Carbon”, mas, por mais que pareça contraditório, não temos tristeza em nenhum canto do disco. É melancolia e só. Aliás, o Air já fazia isso com habilidade, certo? As canções aqui oscilam em climas e arranjos, evitando o tédio e a repetição com muita inteligência. Há momentos em que o andamento é mais rápido, caso de “Spark”, faixa de abertura, que decalca teclados à la Kraftwerk em meio a uma bateria eletrônica direta e reta. É um ótimo cartão de visitas para quem adentra os domínios do disco.

 

“Corporate Sunset”, o single, é outra lindeza de andamento mais rápido, com uma pinta de canção oitentista, ela é linda e cheia de vocais diáfanos que evaporam no meio de uma camada de sintetizadores. “Shogun” já vai por um outro caminho e recupera lindamente os climas mais contemplativos do Air, com xilofones, guitarras sutilíssimas e múltiplos teclados que fornecem diferentes efeitos em camadas e texturas que se dobram umas sobre as outras em efeitos lindos. “Zombie Park” é outra que tem a marca registrada do duo, com mais riffs de teclado pavimentando o arranjo e vozes que surgem cheias de filtros e efeitos sintéticos. “Dare” é uma das mais interessantes canções presentes por aqui. Ela quase usa a estrutura de “Pocket Calculator”, do Kraftwerk, muito percussiva e minimalista, e entabula um diálogo entre robôs sobre a insignificância da raça humana, como se eles fosse decidir o nosso destino ou apenas sacramentar o que a nossa incapacidade de lidar com o planeta já decidiu. “Sex UFO” é um “tributo” à nave fálica do milionário americano Jeff Bezos, que pega emprestados os timbres mais viajantes do Pink Floyd de “Dark Side Of The Moon” e os depura, usando apenas sua parte estética em meio a um novo contexto. “Cristal Mind” é uma das mais “orgânicas” canções presentes aqui, uma semi-balada com flautas sintetizadas, percussões lentas e contemplativas, em meio a um andamento que traz muito de pop e que lembra algo do Vangelis oitentista misturado com soft rock. E o fechamento vem com “Naturalis Principia Musica”, a mais viajante e abstrata do disco, um painel caleidoscópico de teclados, timbres e estruturas boiando no zênite e formando belos momentos.

 

“Carbon” é um trabalho belíssimo, marcado pela elegância de uma música eletrônica muito viva e muito humana. JB Dunckel consegue nos levar – ou trazer até nós – os tons mais abstratos referentes a espaço, futuro, distopia, utopia e entender que o amanhã depende do hoje. Um pequeno bálsamo sonoro para os tempos atordoantes de hoje.

 

 

Ouça primeiro: “Dare”, “Corporate Sunset”, “Space”, “Cristal Mind”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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