Marcos Valle – Cinzento

 

 

Gênero: MPB, jazz
Faixas: 12
Duração: 49 min
Produção: Marcos Valle
Gravadora: Deck

 

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

Em junho de 2019, Marcos Valle soltou um ótimo disco: “Sempre”. Era uma espécie de retorno à sua persona musical oitentista, informada, afeita à música negra americana, capaz de criar gemas pop como “Estrelar” e “Bicicleta”. Pois agora, com “Cinzento”, Marcos parece mirar uma outra encarnação artística sua: o sujeito introspectivo e genial do início dos anos 1970, responsável por discos como “Garra” e “Previsão do Tempo”. Só que isso é impreciso, assim como também era com “Sempre”. Estes álbuns recentes de Marcos Valle mostram, muito mais que uma vontade de fazer revisita a tempos idos, que o artista é um cara muito consciente da modernidade. Especialmente em “Cinzento”, ele abre as portas de sua introspecção musical para um monte de gente participar e o resultado é sensacional.

 

A galera que está por aqui não deixa dúvida de que Marcos é um cara preocupado com o tempo em que vive. Emicida, Kassin, Moreno Veloso, Domenico Lancelotti, Bem Gil, Zélia Duncan e até Jorge Vercillo surgem ao lado de colaboradores veteranos – Ronaldo Bastos e Paulo Sergio Valle – bem como parceiros sólidos e recentes, caso do baixista Alberto Continentino, que está em todas as canções do álbum. As faixas vão surgindo e mostrando bem essa saudável disputa entre velho e novo. Se “Reciclo” traz dinâmica e letra típicas da lavra de Emicida, “Se Proteja” e “Redescobrir” são clássicas já na origem, ainda que tenham autoria dividida com Bem Gil e Moreno Veloso, respectivamente. O riff de metal de “Se Proteja”, a cargo de Jessé Sadoc, bem como a própria melodia de Valle, apontam para os anos 1970, segunda metade. É uma lindeza de detalhes, sintetizadores, bateria e acento jazzístico amalgamado à MPB mais clássica.

 

A Bossa Nova, nascedouro de Marcos, está presente apenas como tempero ocasional em todas as faixas do álbum, mas em “Rastros Raros” ela vêm à frente e assume um protagonismo gentil, em sua versão do fim dos anos 1960, já encharcada de influências mil. O piano de Valle pontua a melodia ocasionalmente com muita beleza e elegância. “Pelo Sim, Pelo Não” poderia estar em “Garra” facilmente. Aqui Marcos divide os vocais com Patrícia Alví, numa letra que fala de contemplação do tempo e das coisas pelo prisma da cidade, no caso, o Rio, musa inspiradora perene do artista. A outra parceria com Emicida, “Cinzento”, traz a participação do rapper paulista nos vocais, muito à vontade, em meio a um arranjo que poderia ser da fase clássica de Guilherme Arantes.

 

“Nada Existe” e “Posto 9”, parcerias com Paulo Sérgio Valle e Ronaldo Bastos, respectivamente, seguem evocando o Rio ideal, a praia, a vida mais devagar, na base da saudade/recriação, algo que é familiar de sobra a Marcos. “Só Penso em Jazz” é, com o nome já diz, uma digna representante da fusão do estilo americano com o samba/bossa brasileiros, algo que é sacrossanto desde os anos 1960, mas que soa refrescante e refrescado por aqui. “Lugares Distantes”, fechando os trabalhos antes da vinheta “Sem Palavras”, é uma balada funk-jazz elegante e cheia de belezura nos fraseados de piano e baixo. É o fecho perfeito para um disco muito, muito bom.

 

Marcos Valle mostra com sua produção atual, seja em “Cinzento”, seja em “Sempre”, que está em forma exuberante. Sua música segue atual, atemporal, bela e relevante, retratando de forma afetiva e um tanto misteriosa, o Rio-Brasil que era onipresente há tempos, mas que se transformou numa realidade triste por conta de gente que odeia a cidade, mas que insiste em governá-la. Marcos subverte gentilmente a realidade e oferece sua música como alternativa. E eu embarco nela como carioca exilado que sou.

 

Ouça primeiro: “Se Proteja”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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