Juliana Cortes – 3

 

 

Gênero: MPB, jazz

Duração: 37 min.
Faixas: 11
Produção: Ian Ramil
Gravadora: Independente/Tratore

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

Ainda que pareça óbvio, “3” é, de fato, o terceiro álbum lançado pela paranaense Juliana Cortes. Em termos de inovação dentro de sua carreira, este é um novo trabalho, que aponta para novas direções. Os anteriores, “Invento” (2012) e “Gris” (2016), se mostravam muito mais próximos da música do sul do país, no sentido de que traziam em seus conteúdos as reminiscências e narrativas próximas de artistas como Vitor Ramil, que é o pioneiro de um tipo sonoro chamado “Estética do Frio”. É uma música híbrida, com tonalidades influenciadas por milongas, tangos e outros ritmos do Cone Sul, e, ainda assim, muito brasileira. Em “3”, ainda que venha produzida por Ian Ramil, outro membro da família talentosa de gaúchos musicais, Juliana abre um pouco o seu horizonte geográfico e oferece um disco mais universal, com inflexões que têm um pouco de jazz, um pouco de pop e muito da elegância própria de sua tradição como intérprete e compositora. O resultado é um disco belo, coeso e cheio de belezuras.

 

As canções e o conceito de “3” surgiram na ponte aérea entre Curitiba e Porto Alegre. Ele é um reflexo do desafio da curitibana em experimentar vertentes musicais distintas para pensar as próprias produções, o que resultou nas colaborações com gente tão distinta como Estrela Leminski, Rodrigo Lemos – o “Lemoskine”, o próprio produtor, Ian Ramil, Zelito e Guilherme Ceron, além de Pedro Luís e o sensacional Airto Moreira. Das onze canções do álbum, três já haviam sido lançadas: “Andorinhas”, “Cores do Fogo” e “Três”. Cores do Fogo é a faixa que abre um trabalho que transita entre a world music, minimalismo e urbano, tudo com muita delicadeza e detalhes. A letra fala sobre incêndios, entre eles, o do Museu Nacional, ocorrido no Rio, há três anos.

Fim de uma era, canção de final
Era uma coda com exclamação
e numa queda os olhos abismal
em um segundo a desaparição

 

 

Com um poema musicado, “Andorinhas” é um faixa de climas, arranjos que vão se comunicando através de rupturas, de cortes, como um deslocamento brusco em um verso que se repete ao longo da canção.

Andorinhas bêbadas de querosene nadam na fuligem do ar de SP

 

 

“Serena Solar”, por sua vez, é uma faixa iluminada e cheia de natureza, que brinca com os enigmas das plantas de Juliana, em São Paulo. A junção de pessoas desencadeia afetos e o afeto é o que nos move para o bem ou para o mal. “Três”, com a participação do Lemoskine, também faixa escrita pelos quatro compositores, é a faixa mais afetuosa do disco. Com uma poesia linda e com um instrumental etéreo a faixa dialoga com passado, presente e futuro. Ao ouvir pela primeira vez acabei pensando em Foi no Mês que Vem, de Vitor Ramil.

Se amanhã eu fui feliz
não foi por me sozinhar
Acontecendo estou aqui
elo de onde eu vim e o que virá

 

 

Afetos geram revoluções e assim como amar é um ato político e estar saudável perante o precipício caótico é a maior resistência, o disco segue com a faixa mais politizada: “Terra Plana”. Com cinco minutos de duração a poesia perpassa pelos caminhos de um mundo onde a morte de mulheres como Marielle é legitimada, assim como o extermínio de povos tradicionais. Tem uma percussão bem marcada, atenta e piano que caminha urgente. Tudo isso contando com a voz de Juliana que se veste em um tom teatral incrível, em meio a uma levada de piano vertiginosa, que lembra muitas influências bacanas, até mesmo o “Trenzinho do Capira”, de Villa-Lobos.

 

Seguindo por temáticas atuais de um mundo machista onde tudo que é feminino parece ser alvo de violência, “Macho-Rey” vem questionar o que é ser homem. Letra de Ian com complementos de Juliana, a música é um deboche ao hétero-top atual, um deboche no estilo de Voz da Indústria de Ian que deságua em um verso necessário “seja homem-não”, tudo isso em meio a um arranjo que traz metais, percussões e modernidade. Definitivamente é a epítome da mistura entre as estéticas dos trabalhos anteriores e a maior abrangência deste.

Adora piada de negro e gay
De peito inflado, faraó
Corrente de ouro a luz sol
roçando, a camisa de futebol
Quem vê não diz que se ele achou
um nada quando leu Eliane Brum
Seja homem-não.

 

Entre críticas ao homem branco hétero da camisa pólo e sapatênis farialimers “Marionete da Cidade” é uma bem-humorada crítica a essa gourmetização, onde batata mal cortada vira rústico e a falta de responsabilidade afetiva se torna o cool desapego, ou onde a catuaba é bebida chique de bloquinho branco de carnaval. Vocês sabem do que falo. Para encerrar esse trânsito entre estéticas, o disco termina com a faixa mais crua, “Fôrma”, que é um misto de sensações dos primeiros encontros dos artistas.

Mas amanhã vai ser
Num movimento só
Que faz da luz o breu
E da madeira pó
Mudando a forma de ter
A forma de ser

 

“3” se completa como uma obra que junta mãos, vozes, questões e sonoridades distintas e visões de mundo. Além disso, Juliana Cortes lança um mini doc com os bastidores da experiência. É disco para ser ouvido do início ao fim, é uma experiência de uma residência musical entre artistas e resulta em um trabalho detalhado, que merece total atenção e afeto.

 

Ouça primeiro: “Serena Flor”, “Marionete da Cidade”

 

Colaborou Carlos Eduardo Lima

 

Ariana de Oliveira

Ariana de Oliveira é canhota de esquerda, Cientista Social, estudante de Jornalismo e comunicadora da Rádio Univates FM. Sobre preferências: vai dos clássicos aos alternativos.

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