Luana Carvalho – Segue o baile

 

 

Gênero: Funk nacional, pop alternativo

Duração: 29 min
Faixas: 9
Produção: Kassin
Gravadora: Independente

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Este ótimo “Segue o baile”, novo trabalho de Luana Carvalho, é um daqueles discos reveladores. Em sua quase meia hora de duração, dividida em nove faixas, temos um pequeno desfile de informações que funcionam em vários níveis. Podemos ouvir como reflexão da abrangência do funk carioca e sua influência na formação do gosto pessoal de tanta gente ao longo do tempo, visando resgatar o estilo do pantanal de críticas feitas por quem não faz parte de sua realidade e o atira no mais profundo posto do mau gosto. Podemos ouvir também com a perspectiva de ver como uma cantora/compositora atualíssima interpreta essa produção e a traz para o nosso tempo, de outra forma, com outros parâmetros, em pleno contexto da pandemia e do desgoverno. E podemos também nos permitir reconhecer canções que não ouvimos há tempos, que são de contextos outros, que lembram eventos, enfim, como música. Porque, se Luana Carvalho tem um mérito só seu aqui, é o de usar o funk carioca, tão maldito, tão desmerecido, como música. Com M maiúsculo.

 

Não que isso fosse preciso, como dissemos, as gravações originais são imaculadas e pertencem ao inconsciente coletivo, mas Luana, com banda eletroacústica e produção de Kassin, converte essas obras para um – como diria Bruno Henrique – outro patamar. E isso confere aos originais dimensões e camadas que propiciam as tais leituras que mencionamos acima. E há a questão da importância dada ao repertório, com seis faixas que são boas versões e três originais de Luana, entre eles, uma das melhores canções desta virada de 2020/21 – “Selfie”. Trata-se de uma porrada sem cerimônia na lata da hipocrisia, da militância limpinha e desconectada da realidade, da verdade e da vala comum que habita quem sofre e quem – deveria – militar. Funciona que é uma beleza e a gente fica enfileirando várias pessoas que se encaixam no perfil definido pela letra implacável.

 

“Troca a calçada da empregada
Só pra não cumprimentar
Mas se diz antirracista no discurso popular”

 

“Diz que é de esquerda,
Pega cerveja do moleque do isopor
Mas paga salário em plena pandemia
Achando que faz um favor”

 

“Sobe favela, aprova projeto
Curte um cunho social
Mas dois beijinhos, só na galera
Nos porteiros nem a pau”

 

“Diz que é amiga de preto
Oferece o Instagram, troca o “o” pelo “x”
Mas não sai da Zona Sul
Nunca viveu por um triz”

 

Luana é filha de Beth Carvalho. Sua adolescência se dividiu entre os bailes funk que frequentava e o ataque que o mesmo funk recebia em casa, onde questionavam sua autenticidade e relevância – coisas tão antigas como o próprio Brasil. Uma vez na pandemia, ela revirou essas reminiscências e encontrou as canções que estão aqui. Tem algumas bem conhecidas, como “Me Leva”, onipresente primeiro sucesso de Latino. Também temos ótimas releituras de “Rap do Solitário” e “Garota Nota 100”, ambas de MC Marcinho, que, em plena “violentização” do funk noventista, surgia como o “funkeiro romântico”. Também tem coisas mais moderninhas, como a ótima “É Hoje”, sucesso de Ludmila. E as faixas autorais, com destaque absoluto para a já mencionada “Selfie”, ainda que “Mainha” seja especialmente bela.

 

“Segue o baile” é uma belezura bem acabada, bem pensada e bem executada. Luana, que surge preocupada com lugar de fala em texto do release, se achou e soa totalmente relevante nessa empreitada.

 

Ouça primeiro: “Selfie”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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