João Gordo erra a mão em segundo disco solo

 

 

 

 

João Gordo – Brutal Brega: MPB Mode
25′, 10 faixas
(Wikimetal)

2 out of 5 stars (2 / 5)

 

 

 

 

 

Não que João Gordo, para citar a própria história, seja “traidor do movimento punk”. Afinal de contas, o Ratos de Porão ainda está presente, lança discos com certa frequência e ainda, vá lá, incomoda o sistema. Neste caso, João é um sujeito atuante, ativo nas redes sociais e tem uma luta bem justa na causa vegana, que, segundo relatos próprios, ajudou a ganhar saúde e se manter bem ao longo dos anos. Dito isso, “o outro lado” de João, de comunicador midiático do rock nacional é, no mínimo, controverso. Se a brincadeira de lançar o álbum “Brutal Brega” há dois anos, foi, de fato engraçada e inspirada, o mesmo não se pode dizer desta segunda empreitada. Em que pese o tom humorístico inerente, que funcionou anteriormente, esta continuação “MPB Mode” se perde num constrangimento avassalador, justo porque a graça de verter o cancioneiro do disco passado para o peso do hardcore e associá-lo à figura iconoclasta de Gordo, aqui se esvai diante da impossibilidade de adaptar a quase totalidade deste novo repertório do segundo disco. São canções sérias, sobre temas diversos, que não têm qualquer associação com o brega ou cafonice. E, o nosso amigo fã que chegou de 1985 pensaria em suicídio ao ver que Gordo regravou três (!!!) canções carnavalescas de Caetano Veloso. Quem poderia supor??

 

A graça de regravar essas obras em arranjos hardcore e com a presença de Gordo é testemunhar duas coisas – a persona madura do vocalista, com uma larga folha de serviços na comunicação midiática associada à uma cena roqueira brasileira que, hoje, na melhor das hipóteses, está revirando os olhos na cama de UTI. Não consigo imaginar pessoas com menos de trinta anos que estejam interessadas em ouvir as versões de João Gordo ou no que ele tem a dizer, mas, se levarmos em conta o público que o acompanha há décadas, a viabilidade da empreitada poderia se justificar no primeiro volume. O contraste da postura do cantor em relação a obras como “Fuscão Preto” ou “Ciganinha” é o motivo do interesse eventual. Se mudamos o tom e colocamos João vociferando em canções como “Galos, Noites e Quintais” (Belchior) ou “Sobradinho” (Sá e Guarabira), a primeira, uma letra existencial anti-repressão no Brasil de 1976 e a segunda, um libelo pró-ecologia pioneiro na nossa música popular, de 1977, a gracinha se torna absolutamente ridícula. E irritante.

 

Resta a probabilidade – remota – de encontrar algum mérito, digamos, artístico, estético, nos arranjos pesadinhos de hardrock estilizado. O guitarrista e produtor Val Santos novamente sustenta a parte musical do álbum, mostrando a competência necessária para uma apreciação sem muita exigência. Os arranjos são nível Raimundos anos 2000 em diante, sem muito a oferecer além do próprio peso guitarrístico e da rapidez que o estilo exige. Em alguns poucos casos há um sopro de criatividade, como, por exemplo, em “Cavaleiro de Aruanda”, de Tony Osanah, que foi sucesso na voz de Ronnie Von em 1972, que ressurge aqui como uma espécie de baião acelerado com guitarras. Em “Coroné Antônio Bento”, famosa na voz de Tim Maia, o andamento de forró do original foi mantido e adornado com o peso das guitarras. Também há uma boa sacada de repertório, a escolha de “Espelho Mágico”, que foi sucesso nacional com Silvio Brito há quase cinquenta anos, que ganhou um arranjo mais cadenciado.

 

O resto do álbum, infelizmente, é dispensável. As versões de três frevos carnavalescos de Caetano Veloso não fazem qualquer sentido: “Atrás do Trio Elétrico”, “Um Frevo Novo” e “A Filha da Chiquita Bacana” não casam letra com a rapidez da abordagem hardrock, virando uma quase-esculhambação total. O mesmo acontece com “Sebastiana”, famosa na gravação de Jackson do Pandeiro e na releitura setentista de Maria Alcina, mais parece uma gravação que os Raimundos fariam em 1999. E ainda tem “Morena Tropicana”, de Alceu Valença, despida completamente da sensualidade da gravação original de qualquer outra abordagem que não seja a mera escrotização do original.

 

Sabemos que João Gordo é um cara esperto e talentoso para conduzir sua carreira musical, mas este álbum tem uma irritante tendência ao cânon Matanza/Raimundos que torna quase impossível ouvi-lo sem a ajuda de algum aditivo químico ou motivo adjacente.

 

 

Ouça primeiro: “Cavaleiro de Aruanda”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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