Jeff Buckley, 54 anos

 

Há poucos dias, vazou uma versão arrepiante para I Know It’s Over, de The Smiths. No comando, a voz de Jeff Buckley, inconfundível, sofrida, intensa, acompanhada apenas de um violão acústico. A faixa puxa a compilação You And I, a ser lançada pela Columbia/Legacy em breve. É mais um de uma série impressionante de coletâneas, registros ao vivo, EP’s obscuros, e vários artefatos musicais que visam preencher um vazio impossível de ser resolvido: Jeff morreu novo, com apenas um disco lançado e outro rascunhado, além de gravações ao vivo aqui e ali. Pelo visto, faltaram ainda algumas poucas canções com sua voz para ver a luz do dia. Sendo assim, aqui estão.

 

 

Vejam, não estou reclamando, até porque, a qualidade da versão de I Know It’s Over é muito boa, fruto de sessões amadoras de gravação empreendidas por Jeff alguns meses depois de assinar contrato com a mesma Columbia/Legacy no início dos anos 1990. Seu único disco regular, Grace, lançado em 1994, é uma obra de intenso valor, com canções terminais sobre amor, desilusão, perda, despedida, com uma moldura instrumental que diferia – e muito – do Grunge e Pós-Grunge da época, além de trazer o componente principal de toda a curta obra de Buckley: sua voz. Podemos dizer que, ao lado de Eddie Vedder e seu registro grave, Jeff Buckley foi o mais influente vocalista do Rock dos últimos tempos. Acrescentou uma agridoçura desesperada, como se ele fosse explodir de algum sentimento, simplesmente sumir em som a qualquer instante. Sua influência pode ser notada, de imediato, em gente como Thom Yorke, Matthew Bellamy (Muse) e Chris Martin (Coldplay), só para ficarmos em três sujeitos conhecidíssimos e badaladíssimos no cenário musical mundial.

 

 

A morte de Jeff Buckley levantou muitas suspeitas na época, uma vez que o cantor e compositor americano, então com 30 anos, afogou-se no Rio Mississippi, perto de Memphis. Muita gente imaginou que Buckley estivesse sob efeito de álcool, drogas ou que, simplesmente, se suicidara. Uma bateria de exames periciais confirmou que o afogamento foi absolutamente acidental e súbito, algo lamentável se imaginarmos quão promissora parecia sua trajetória. Grace foi um álbum que entrou para listas de melhores da década de 1990, contendo, pelo menos, uma canção perfeita: Last Goodbye, que tornou-se o maior sucesso autoral de Jeff. Ao lado dela, a faixa título e Lilac Wine também são lembradas como músicas fortes e emblemáticas de Buckley. A chegada do disco trazia um pouco de emoção em estado bruto às paradas daquele tempo, divididas entre Britpop, remanescentes sem rumo do Grunge, bandas derivadas e artistas de Hip Hop em mutação pouco criativa, configurando a música de Buckley como algo único no momento.

 

A partir do lançamento de Grace, criou-se expectativa enorme pelo sucessor, principalmente porque Buckley saiu em turnê por Europa e Estados Unidos, tocando em buracos e lugares bonitinhos, consolidando uma popularidade insuspeita. Registros ao vivo que podem ser de sessões de rádio ou do bar Sin-E, em Nova York, ou ainda, do famoso de prestigiado Olympia, em Paris. Em todos eles, seja com seu violão ou com banda, Jeff prima pela emoção e o já mencionado jeito de cantar como quem está prestes a sumir de intensidade. Já ouvi muita gente e me arrisco a dizer que nenhum cantor branco recente tenha capacidade semelhante. Negros, bem, há vários, mas isso não vem ao caso.

 

O próximo disco, My Sweetheart The Drunk, estava sendo gravado quando Jeff afogou-se. Foi lançado com o nome de Sketches From My Sweetheart The Drunk, uma vez que a gravadora quis deixar clara a condição de obra inacabada que o álbum ostentava. Com um impacto menor que Grace, o novo trabalho serviu para alimentar o mito de Jeff, aquele sensível e jovem cantor americano, precocemente morto, ainda com tanto por oferecer. O Rock está cheio de casos assim, mas Buckley não ostentava qualquer semelhança com o mito rocker, sendo mais um desajustado triste e contido, que experimentava momentos de libertação intensa através da canção. Desde cedo, em casa, ele fora criado com a presença da música. Filho do cantor e compositor Folk Tim Buckley, Jeff foi criado com a mãe, Mary e seu marido, Ron, que o introduziu no mundo da música Pop, através de álbuns de Led Zeppelin e Kiss. Aos doze anos decidiu ser músico, aos treze, ganhou sua primeira guitarra elétrica. O resto é história.

 

 

A nova coletânea vem somar-se a um sem número de álbuns sobre a vida do sujeito. Em tempos digitais, sua compra não parece necessária, sendo suficiente a audição por streaming. Há registros de Bob Dylan, Gerry And The Pacemakers, Sly Stone e outra canção clássica de The Smiths, The Boy With The Thorn In His Side. Jeff consegue, pelo menos em I Know It’s Over, a única que ouvi até agora, redimensionar a gravação original, com a voz de Morrissey. Enquanto o inglês lamenta o fim do relacionamento, com sofrimento, mas fazendo esforço – e conseguindo – parecer inabalável, a versão de Buckley é o próprio mundo desmoronando após algum tempo. Ele começa tentando manter-se inteiro, mas a dor dos acontecimentos vai erodindo seus alicerces, até que tudo rui. Jeff Buckley não é para amadores, pessoal. Vocês já deveriam saber.

 

 

Se vivo estivesse, Jeff Buckley hoje completaria 54 anos. Uma das maiores perdas da música popular a julgar pelo potencial demonstrado por ele em sua curtíssima carreira. Aqui está um texto que escrevi em 15 de março de 2016 por conta do lançamento da coletânea “You And I”. Na verdade, é um artigo que propõe reflexão sobre a importância da influência de Jeff na música que se fez em seguida e perdurou – perdura – por muito tempo.

 

Link original aqui.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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