Melody Gardot – Sunset In The Blue
Gênero: Jazz, easy listening
Duração: 53 min.
Faixas: 12
Produção: Larry Klein
Gravadora: Decca/Universal
(4 / 5)
Este tipo de álbum é irresistível para minha parcela de historiador. Ele é uma peça de nostalgia deliberada, uma recriação da recriação. Explico. A Bossa Nova foi apropriada pelos Estados Unidos no início dos anos 1960 e lá se tornou muito mais jazz e exótica do que o som que surgiu no Rio do fim dos anos 1950. Mesmo que seus pais fundadores – Jobim, Gilberto, Mendonça, entre outros – estivessem por terras ianques neste momento, o som que o mundo ouviu é muito mais polido e “sério” do que o original carioca. E isso não é problema, visto que os discos produzidos nos EUA são lindos e essenciais, mesmo sendo mais peças de jazz do que de música brasileira. Pois bem, dito isso, este novo álbum de Melody Gardot, “Sunset In The Blue”, recria esta atmosfera de releitura americana da Bossa, dando o polimento e a orquestração necessários para exalar beleza litorânea por todos os cantos. Os gringos dizem que ele lembra uma “festa de rua no Rio” – algo que só pode ser fruto de uma mente que aprendeu que o Rio é aquele idealizado na virada dos anos 1950/60. Ele é, sim, uma obra feita na ponte aérea Paris-Londres-Nova York, com todos os recursos disponíveis visando rever uma atmosfera há muito perdida, mas que ainda exerce fascínio total. Seja bem-vindo/a a um mundo de doçura e gentileza solares.
Gardot é americana, uma talentosa e misteriosa cantora que oscila entre o jazz e o pop clássico, sempre surgindo com um disco diferente do outro. Este aqui, o quinto de sua carreira, é o primeiro em que ela mergulha no universo do jazz-bossa do início dos anos 1960 e ela o faz com gosto e propriedade. Com a presença de músicos da Royal Philarmonic – gravados à distância, digitalmente – e gente tão distinta quanto Sting e o português Antonio Zambujo, Melody criou um painel ideal para evocar este clima musical que nos é – ou deveria ser – familiar. Há bom gosto por todos os cantos, os arranjos feitos por Vince Mendoza são exemplares e a produção de Larry Klein, um dos mais tarimbados pilotos de estúdio quando o assunto é este tipo de disco, está na medida certa para conferir a classe e a oportunidade ao todo de doze canções, que incluem versões e originais, alguns deles cantados em português.
Em primeiro lugar, esqueça o single com Sting, “Little Something”, que tem uma onda meio pop latina, que é totalmente diferente do propósito do álbum. Mas não deixe passar o single “From Paris With Love”, parceria com o franco-brasileiro Pierre Aderne, que contou com gravações remotas de vários músicos de orquestras ao redor do mundo. A melodia é vertiginosamente bela, o arranjo é assombroso de tão lindo e tudo aqui parece levitar ao por do sol de um mundo que não existe mais. A atmosfera de sonho é induzida pelo andamento em valsa e pelo vocal de Melody. Tipo da coisa que nem parece feita por gente que vive no mesmo planeta que nós. E, logo em seguida, abrace o dueto com Zambujo, “C’est Magnifique”, cantado em inglês, francês e português, com generosas doses de violões acústicos, cordas rodopiantes e um solo de trompete exuberante. A partir destas credenciais, mergulhe nas águas mornas que se insinuam diante dos seus … ouvidos.
Os momentos de beleza são vários. “Love Song” é sinuosa, tem scat-singing e as tais cordas rodopiantes, que estarão presentes em quase todos os cantos do álbum. “You Won’t Forget Me” é original interpretado por Carly Simon em seu belo disco “Film Noir”, de 1997, e ganha o revestimento bossanovístico estilizado que se espera, com ótimos resultados. “Moon River”, sim, o clássico de Henry Mancini, ressurge aqui numa versão vulnerável e singela, certamente respeitosa, que joga a favor dessa recriação atmosférica que o disco busca. E as canções em português, “Um Beijo” e “Ninguém, Ninguém”, vão muito além da homenagem pura e simples ou daquelas tentativas macarrônicas de estrangeiros cantando na Flor do Lácio. Soam sinceras e genuínas, em meio ao contexto estabelecido aqui.
“Sunset In The Blue” é um disco que tem o mesmo afinco e vigor de “The Look Of Love”, de Diana Krall, cuja intenção era trazer um pouco da beleza dos standards bacharachianos/bossanovísticos ao mundo do jazz daquele início de milênio. São dois trabalhos precisos e exitosos, sendo que Melody Gardot é mais cantora que Krall, além de compositora e artista mais interessante. Ela recria e dá seu toque pessoal. Um antídoto contra a crueldade musical destes tempos.
Ouça primeiro: “From Paris With Love”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.