Espaço Favela – E aí?

Cobertura especial – Direto da Cidade do Rock.

 

Os comunicados da imprensa e do próprio Rock In Rio alardearam dois novos espaços na edição de 2019: O New Dance Order e o Espaço Favela. O primeiro é um palco para música eletrônica e teve uma história lançada na Internet, sobre um futuro em que a dança e o poder da música serão decisivos para “salvar a humanidade”. Na verdade, é a antiga Tende Eletrônica. Ou algo assim. O segundo foi vendido para o público e os formadores de opinião como “um conteúdo totalmente inédito e desenvolvido a partir de uma larga curadoria, amplifica as potências musicais das favelas. Serão 22 atrações nos sete dias de evento. O espaço funcionará a partir das 14h30.”. Ontem, primeiro dia do evento, as pessoas já falavam nas redes sociais: o Espaço Favela tem SOM DE HELICÓPTEROS.

 

Não precisa morar no Rio para saber que o estado e sua capital – em especial – vem sofrendo com uma escalada da violência que já dura anos e é o resultado de uma sucessão de políticas de segurança equivocadas, sem falar na falta absoluta de investimentos na educação pública e na geração de empregos. Na verdade, o Rio vem perdendo posições em rankings de desempenho escolar e estampando as páginas dos jornais com notícias escabrosas de ataques às comunidades carentes, especialmente desferidos e avalizados pelo governador eleito em 2018, Wilson Witzel. A PM, sob seu comando, vem atingindo níveis alarmantes de mortalidade, sem falar na ação das milícias, que se alternam com traficantes no controle dos territórios, aproveitando o vácuo da presença do estado. Pois bem, é nesse contexto que o maior festival de música do país decide apresentar um “Espaço Favela”.

 

Pessoalmente falando, não consigo imaginar a “favela” como um destino com o qual se deva conformar. Se eu fosse governante, minha meta seria dar às pessoas a chance de não precisar mais morar nas comunidades carentes, provê-las de condições para ter uma vida melhor, mais digna e com perspectivas de melhora constante. Não deixar que as comunidades fossem carentes de nada. Claro, enquanto tal situação quase utópica não se concretiza, nada errado em ter orgulho de onde se vive, claro. Porém, tal sentimento não pode se transformar em mercadoria ou algo que seja visto como “lucrativo”, afinal de contas, é a desigualdade material que obriga as pessoas a viverem em condições piores que outras. Pois o Espaço Favela também vai ter sua parte comercial: “Ao todo, 18 empreendedores de comunidades cariocas foram escolhidos em parceria com o Sebrae e terão seus produtos vendidos nos três bares que compõem o Espaço. Os quitutes serão os mais variados: croquete de abóbora com carne seca, risole de rabada com agrião, bolinhos de feijoada, tapioca, aipim com carne moída, carne com recheio de queijo, dadinho de tapioca, enroladinho de salsinha e até acarajé vegano etc. Palha Italiana e brigadeiro gourmet são algumas opções que adoçam o cardápio todos os dias.”. Ou seja: é a chance de vivenciar a favela bem longe dela. Pensando bem, quem vai vender “acarajé vegano” numa comunidade carente, gente? Enfim…a impressão que tal situação me passa é a daqueles jipes com turistas na caçamba, subindo as comunidades como se fossem para um zoológico. Divertido, legal, mas no qual nunca queriam morar.

 

Como não se pode julgar sem presenciar, acabo de voltar de uma incursão no Espaço Favela. Lá estava a banda Setor Bronx, dando a vida no palco. Diante dele, pouco mais de 40 pessoas, algumas prestando atenção, outras tirando selfies e falando no celular. O som era um funk’n’rock anos 1990, com força e garra, mas não diferente de outras milharaes de bandas aqui e acolá. Ecos de Planet Hemp, Rage Against The Machine, coisas assim Em certa altura, chamaram um rapper da Baixada Fluminense, Dudu do Morro Agudo, sobre quem uma amiga querida havia falado antes, dizendo que ele é um cara muito legal, que toca com dificuldade uma obra social em sua comunidade. Ao lado do palco, dois quiosques de comida de boteco ou algo assim, com o suspeitíssimo nome de Favela Bar, jaziam vazios. E foi isso, fim. Ah, um detalhe: o Dudu do Morro Agudo, quando entrou no palco, veio percorrendo um caminho que dava a impressão de que ele vinha por dentro dos barracos estilizados do “morro”. Em alguns momentos, dava a impressão de que havia gente nas janelas. Representação, sabem?

 

Como eu disse, não sei qual o ganho disso. Sei que deve ser legal para a Setor Bronx dar as caras num palco desses, idem para o Dudu do Morro Agudo. Será que terão visibilidade? Será que terão mais shows agendados? Será que algo vai mudar? Claro, não é problema do Rock In Rio, pelo contrário. O festival é feito com dinheiro privado e gera lucros para todos os anunciantes, inclusive para o governo do estado e do município. E se estas instâncias do Executivo condicionassem tais iniciativas à conscientização dos presentes sobre a desigualdade social? E se uma parte do lucro do RiR fosse destinada ao investimento público nas comunidades? E se o governador Witzel e o prefeito Crivella estivessem na plateia?

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *