Marcelo Jeneci – Guaia

Gênero: Pop, MPB
Faixas: 10
Duração: 41 min
Produção: Pedro Bernardes, Marcelo Jeneci e Lux Ferreira
Gravadora: Slap

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

“Porque sou de Guaianazes, bairro da periferia da cidade de São Paulo, construído por trabalhadores do Brasil profundo que espalham afeto, resistência, dança, dores, cores e cultura. Lá, recebi a chama e o chamado pra romper com música o escuro do futuro.”

 

Este é o próprio Marcelo Jeneci definindo e explicando o título deste seu terceiro e sensacional álbum. Uma viagem ao passado através do exame delicado do presente, uma busca de explicações sobre o que vivemos re(vi)vendo o que já passou, pensando em estabelecer as diretrizes do que virá. A julgar pelo que temos hoje, tal movimento se torna mais que necessário, é inevitável. Não por acaso, Marcelo é mais um dos cantores/compositores de sua geração a sentir necessidade de explicação sobre o momento atual do país – e do mundo. “Guaia” é o resultado desta jornada de autoconhecimento e luminosidade de resultados.

 

Este é, de longe, seu disco mais experimental. As delicadas texturas que vão se erguendo através das canções mostra o quanto Jeneci precisou – para usar um termo caro aos hipsters – desconstruir-se para achar timbres e tons certos. Com a ajuda de Pedro Bernardes e Lux Ferreira, o resultado comunga experimento de essência e literalidade, mas conserva intacta uma das maiores virtudes de Marcelo como cantor e compositor: a veia pop. Mesmo em momentos mais complexos e “antipop”, há um refrão, um verso, uma linha melódica prontos para capturar o ouvinte mais disperso, que está só nessa pela música e se importa pouco com o conteúdo. Mesmo que este seja minoria. Quem está ouvindo “Gaia” pelo sentido e pelo significado tem um prato cheio diante de si. É um disco adoravelmente complexo e pessoal, com coragem para expor informações e reminiscências de muitos tempos ao ouvinte, que se sente abraçado e convidado a participar de uma roda de conversa com o autor. É tudo bonito, bem pensado e engajado.

 

A beleza dos arranjos complementa a pujança das letras. Logo de cara, em “Emergencial”, que vem misturada com o “Canto Inicial: Ikashawhu”, da Tribo Yawanawa, Jeneci já atira versos do quilate de “Meu sopro é teu e pode estar chegando ao fim/Eu sofro se você não vier cuidar de mim” que estoura num refrão/chamado de ordem: “é emergencial a gente se conectar com a Terra”, que, longe de algum tom ecocapitalista/Avatar, passa ao plano da ação pessoal, de algo que todos podemos/poderíamos fazer no cotidiano. É bonito e verdadeiro, mostrando o tom do que vem a seguir. E Marcelo não se furta a oferecer lindezas. “Oxente”, parceria com Chico César, é uma canção que convida todos a dançar ao som de palavras como “busquei nas veredas da cidade, ser inteiro e não metade, pois metade eu me sinto só/sonhei com amor e plenitude, descobri que sonho ilude e até a pedra vira pó”. Em seguida, “Vem Vem” amplia a conexão nordestina, trazendo músicos da Banda de Pífanos de Caruaru para o arranjo, além da participação belíssima da cantora Maya.

 

As provas do acento pop do álbum vem nas três canções em sequência: “O Seu Amor Sou Eu”, que é uma semibalada, com arranjo que vai evoluindo com órgão, guitarra e percussão subliminar, chegando a uma apoteose de teclados e cordas, que se dobram. “Melodia da Noite” segue o mesmo caminho, com um jeitão de blues tradicional emebebido em modernidade urbana e surpresas na segunda metade. “Aí Sim” é parecida com algo da produção anterior de Marcelo, com espaço para frestas de sol se impondo em um ritmo que tangencia o reggae para caber letra confessional “talvez eu consiga superar o temor da transformação”. A caminho do fim do disco, a belíssima “Saudades do Meu Pai” emociona até quem não teve pai por perto ou lembrança para sentir falta e “Ritos”, uma melodia balbuciada com estrutura simples e bela, conduzem o ouvinte para um silêncio que leva à reflexão e a uma doce perplexidade diante da beleza que se ouviu/sentiu com as faixas do álbum.

 

Marcelo Jeneci nem precisava, mas deu uma prova contundente de maturidade artística com este álbum. Após um silêncio de seis anos, ele voltou com seu melhor disco, renovado e disposto a ocupar um lugar entre os maiores compositores/cantores de sua geração.

 

Ouça primeiro: “Aí Sim”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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