Duas Versõezinhas do Kid Abelha

 

 

Das bandas brasileiras que ascenderam ao sucesso nos anos 1980, o Kid Abelha jamais desfrutou de boa vontade por parte dos críticos especializados da época. Sempre acusado de ser uma “banda pop” em meio a outras que, segundo eles, eram mais consistentes artisticamente, o grupo carioca foi sempre mais sucesso de público. Bobagem. O Kid era, de fato, uma formação que tinha apreço pela new wave de gente como Pretenders e similares e tinha suas armas claríssimas, tanto no vocal feminino quanto nas ótimas composições. O primeiro álbum, “Seu Espião”, foi quase todo absorvido pelas emissoras de rádio daquele biênio de 1984/85, com justiça, visto que é uma jóia pop da maior qualidade. O segundo trabalho, “Educação Sentimental”, é um dos álbuns preferidos deste escriba, tinha um conceito leve sobre aprendizado na hora das felicidades e tristezas oriundas dos relacionamentos amorosos da jovem vida adulta. E o terceiro disco – descontando o “Ao Vivo, de 1986 -, “Tomate”, do ano seguinte, mostrava um grupo tentando a reinvenção após perder seu principal compositor, o baixista Leoni, que formara o Heróis da Resistência na mesma época.

 

“Tomate” é um trabalho único na carreira do Kid, certamente o mais experimental e cheio de tentativas líricas e estéticas de tornar mais sério o seu som. A proposta avançou pelo álbum seguinte, “Kid”, de 1989, no qual o grupo liderado pela cantora Paula Toller e completo pelo saxofonista George Israel e o guitarrista Bruno Fortunato, cravou mais alguns hits radiofônicos e culminou em “Tudo é Permitido”, de 1991, com o início de uma prática que marcaria a produção fonográfica do Kid ao longo dos anos 1990 – a produção de covers bacanas. Só neste trabalho eles registraram uma bela leitura de “Não Vou Ficar”, de Tim Maia, sucesso na voz de Roberto Carlos, e também uma versão singela de “Fuga número dois”, dos Mutantes. Tudo bem que em “Iê Iê Iê”, de 1992, eles perderam a mão com o registro de … “Smoke On The Water”, do Deep Purple, mas, definitivamente, a produção de releituras alheias estava arraigada já.

 

O álbum “Meio Desligado”, de 1994, foi uma espécie de “Acústico MTV” próprio, com releituras desplugadas de sucessos prévios – ou seja, autocovers – mas com novas versões bem pensadas, como, por exemplo, “Solidão Que Nada”, de Cazuza. Outras duas covers também surgem – “Cristina” e “Canário do Reino”, ambas famosas na voz poderosa de Tim Maia nos anos 1970. Mas foi em 1996 que o Kid Abelha conseguiu atingir o ápice da lindeza que habita nas boas versões. No álbum “Meu Mundo Gira Em Torno de Você”, o grupo carioca resolveu reler “Na Rua, Na Chuva, Na Fazenda”, sucesso setentista de Hyldon, com resultados muito bons. A versão surgiu em ritmo reggae, ganhou um clipe genial na MTV Brasil e grudou nos ouvidos dos fãs. A estrutura do arranjo é totalmente adequada ao som que a banda sempre fez, ou seja, um bom pop rock, com o tal acento reggae e boa presença dos metais de George Israel e um naipe de convidados. Como acontece com as boas versões, elas servem para apresentar as canções para novos públicos e, certamente, uma geração de fãs adolescentes teve contato com a obra de Hyldon, um dos maiores e mais prolíficos soulmen brasileiros.

 

 

 

 

O mesmo sucesso se repetiria no ano seguinte, quando o Kid foi convidado para participar da campanha publicitária das sandálias Rider, da Grendene. A marca já vinha fazendo peças para a TV com regravações de sucessos por artistas queridos do público. Os Paralamas do Sucesso já tinham relido “País Tropical”, de Jorge Ben. Tim Maia já gravara “Como Uma Onda”, de Lulu Santos e Fernanda Abreu também já surgira com uma versão dançante para “É Hoje”, samba-enredo clássico da escola União da Ilha do Governador. E Marina Lima também tinha dado nova vida para o clássico “Nem Luxo, Nem Lixo”, de Rita Lee. A ideia era da agência W Brasil, que convidou o Kid Abelha para reler adorável “Pingos de Amor”, uma canção, digamos, equivalente em estilo, a “Na Rua, Na Chuva…”, mas muito menos conhecida do grande público.

 

 

A versão do Kid Abelha para o clássico de Paulo Diniz, gravado originalmente em 1971, é adorável. Claro que a canção original favorece, sendo uma das mais belas gravações dos anos 1970, seja pela melodia, seja pela letra. Em sua leitura, Toller e cia. investem no mesmo approach que havia funcionado em “Na Rua…”, usam uma abordagem reggae, com metais e órgão, bom uso de guitarras e violões. A versão foi tão bem sucedida, que puxou o lançamento de um CD especial, intitulado “Rider Hits”, trazendo todas as canções utilizadas em anúncios anteriores da campanha e solidificando a imagem da marca com a da música jovem feita na época.

 

 

O falecimento de Paulo Diniz nesta semana fez muita gente relembrar de suas canções e temos que admitir a importância desta gravação do Kid Abelha para, assim como fez com o sucesso de Hyldon, apresentar Diniz para novas gerações. Certamente muita gente conheceu sua obra por esta versão, o que é, como já dissemos, o máximo de sucesso que uma boa versão musical deve almejar. Não há que fazer qualquer comparação entre originais e releituras, mas reconhecer esta importância. E, claro, lamentar a perda de um talento como Diniz que, além de “Pingos de Amor”, tem ótimas gravações na primeira metade dos anos 1970, entre elas, “Pedra do Arpoador” e “Eu Quero Voltar Pra Bahia”, felizmente disponíveis nos serviços de streaming.

 

 

Em tempo: no ano 2000, o Kid Abelha lançaria um álbum que compila várias outras covers para projetos de outros artistas, algumas inéditas. As mais interessantes são “Teletema”, “Pare O Casamento” e “Esotérico”, esta últiuma, parte do Songbook de Gilberto Gil.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

2 thoughts on “Duas Versõezinhas do Kid Abelha

  • 25 de junho de 2022 em 12:11
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    Para mim, é a melhor banda. A Paula canta fácil, sem firulas desnecessárias. Linda e cantando bem até hoje, prestes a completar 60 anos de idade. Diva! Amo Kid! Parabéns pelo texto.

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  • 25 de junho de 2022 em 11:43
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    Excelente texto. Parabéns. Bacana ideia de revisitar a discografia dos kids através de seus covers…

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