Obi-Wan Kenobi tropeça mas entrega emoção

 

 

Encerrados seus seis episódios, a série solo de Obi-Wan Kenobi conseguiu, como quase todo produto Star Wars desde a compra da franquia pela Disney, dividir os fãs. Se salvam sem ferimentos, por enquanto, Rogue One e The Mandalorian. Porque ambos, apesar de serem produtos calcados em nostalgia, conseguiram desenvolver elementos e linhas narrativas novos o suficiente para tornar menor a dependência do cânone oficial.

 

A série do mestre jedi mais adorado pelo público não foi tão feliz em escapar da tentação de emular velhos truques para agradar aos espectadores. Retornam na história – respire fundo – Darth Vader, Luke e seus tios, Leia Organa, os Inquisidores (personagens inseridos na saga na série animada Rebels) e o próprio personagem título, além de participações especiais secretas. De novos, surgem três personagens subaproveitados, a oficial imperial e espiã Tala, interpretada pela britânica Indira Varma, Roken (O’Shea Jackson Jr.), líder rebelde e protetor de refugiados pela galáxia, e Haja (Kumail Nanjiani), um trapaceiro inspirado nos feitos dos Jedi.

 

Surge também Reva, uma Inquisidora, incorporada com gana pela atriz Moses Ingram (O Gâmbito da Rainha). Seu aparente ódio por Kenobi é o que dispara a história. No início fica-se com a impressão de que a sua trajetória terá grande importância na condução da trama mas ao longo dos episódios essa suposição inicial desaparece, diante da gigantesca força gravitacional que acabou por ser o maior atrativo da série: a relação entre Darth Vader e seu antigo mestre Kenobi.

 

A direção de todos os episódios ficou com Deborah Chow, co-produtora executiva junto com Ewan McGregor, já conhecida e elogiada pelo trabalho em The Mandalorian. Em Kenobi sua condução brilha mais nos momentos em que o jedi está em cena, muito por sua sintonia com a atuação de McGregor, e nos conflitos que o personagem enfrenta, físicos e emocionais. Chow é uma boa diretora de atores e isso transparece na interação entre personagens.

 

A equipe de roteiristas capitaneada por Jobi Harold fez um trabalho quase sempre convencional, delicadamente inserindo informações novas na trama da saga com o cuidado de não mudar o que já foi afirmado em outras histórias. Contaram para isso com o auxílio de Pablo Hidalgo, membro do grupo de histórias da Lucasfilm, que supervisiona tudo que é criado com a marca Star Wars. É pena que não tenham conseguido rechear todos os episódios com acontecimentos realmente significativos, deixando muitos segmentos com as trivialidades de roteiro que diluíram a história.

 

É também nítido o movimento do roteiro para fechar quaisquer pontas da trama que possam causar interferências nas histórias já contadas em filmes que, cronologicamente, se passam anos após a série recém-encerrada. Tudo se coneta ao que já conhecemos ou ao menos oferece respostas e possibilidades plausíveis para que não haja rupturas na linha do tempo dos acontecimentos.

 

Existiram alguns efeitos especiais e cenários meio capengas aqui e ali, e alguns furos de roteiro – porque diabos um Destróier Estelar não obliterou logo a pequena nave que perseguia no último episódio? – que se tornaram menos relevantes conforme a história se aproximou do encerramento e assumiu contornos mais grandiosos.

 

Mas antes do final se apresentar, lá pelo meio a série deixou escorrer parte de seu encanto. Depois de um primeiro episódio promissor, as ações subsequentes pareceram um tanto banais, uma história de fugas e capturas já contadas tantas vezes no entretenimento. O foco nos caminhos já trilhados da saga foi tanto, em determinado momento, que o quarto episódio pareceu quase um remake do filme original de 1977. Faz parte do conceito original de Star Wars, segundo George Lucas, situações que ecoam umas nas outras, mas o uso desse recurso no universo da saga parece estar esgotando suas possibilidades de bons resultados.

 

Por ser mantida sobre personagens e suas interações já estabelecidas nos filmes, a série pareceu insegura sobre a história que queria contar. Tivemos elementos e possibilidades narrativas mal explorados e que, por isso, geraram frustração. Afinal, essa história era mesmo necessária, tudo isso precisava ser contado dessa maneira? Por outro lado, a parte do roteiro que se conectava diretamente aos acontecimentos cinematográficos, notadamente a tragédia de Anakin Skywalker e a nobreza de Kenobi, são altamente satisfatórios. Muito por conta da entrega de Hayden Chistensen e Ewan McGregor a seus respectivos papéis.

 

McGregor desenha claramente os estágios do luto de seu personagem, a vergonha e a derrota expressas em sua rotina vazia no início da trama e seu lento despertar em direção à antiga força do cavaleiro jedi. Ele não desperdiça momentos ou se rende a constrangimentos, faz inflexões em sua voz que lembram Alec Guiness, intérprete de Kenobi no primeiro Star Wars, contrai as rugas que também são as do personagem e deixa ao final, durante o clímax de um confronto, a atuação mais tocante de toda a história da saga.

 

E é isso, esse coração pulsando no ritmo das melhores emoções que Star Wars já despertou, que faz com que Obi-Wan Kenobi, apesar dos percalços, tenha um saldo positivo. O confronto entre Vader e Kenobi é espetacular, é bem legal o vislumbre da vida reclusa de Luke e seus tios em Tatooine, o retorno de Jimmy Smits como o senador Bail Organa mais do que se paga. Vivien Lyra Blair, a pequena atriz que faz a Leia Organa com dez anos é absolutamente perfeita para o papel, uma mini Carrie Fisher, e fofíssima. Hayden Christensen retorna à franquia após dez anos com ganas de mostrar que é bom ator, e mostra.

 

Mas Star Wars fará bem melhor a seus personagens, suas histórias e seus fãs, se passar a olhar para adiante, para territórios ainda inexplorados da galáxia. A trágica saga dos Jedi e de Darth Vader já foi contada, é mais do que chegada a hora dos próximos épicos.

Fabio Luiz Oliveira

Fabio Luiz Oliveira é historiador e crítico da Arte não praticante. Professor da rede pública do Rio de Janeiro. Escritor sem sucesso, espanta o mofo de seus textos em secandoafonte.wordpress.com

One thought on “Obi-Wan Kenobi tropeça mas entrega emoção

  • 7 de dezembro de 2022 em 21:09
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    Uma bomba. “Andor”, em compensação, é a melhor coisa do universo star wars desde O Império Contra Ataca. Roteiro impecável, elenco soberbo…o “star wars para adultos”. Aguardando ansiosamente a resenha por aqui

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