Devendra Banhart – Ma

 

Gênero: Folk alternativo, rock alternativo
Duração: 46 minutos
Faixas: 13
Produção: Noah Georgeson
Gravadora: Nonesuch

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

Rapaz, Devendra Banhart já vai para seu vigésimo ano de carreira e este “Ma” é seu décimo disco. O tempo voa, mesmo. Parece que foi ontem o surgimento do cara, como um expoente do que se chamava de “freak folk” no início dos anos 00. Depois ele apareceu como um dos mais dedicados fãs gringos dos Mutantes, quando a legendária banda voltou às atividades, ali pelo meio da primeira década do século 21. Agora, mais maduro e criativamente estabelecido, Devendra é um artista consolidado e que evoluiu muito em relação ao que apresentava quando apareceu. Ainda bem, certo? Pois a imprensa gringa discorda, acha que o cara deveria continuar a fazer coisas enlouquecidas e, cá entre nós, chatas, para seguir relevante. Nada disso. Este novo disco é uma pequena joia, que, provavelmente, vai passar batida.

 

Devendra tem duas inspirações mais ou menos claras em “Ma”: Harry Nilsson e Cat Stevens. Nilsson, sabemos bem, foi um baita de um artista, amigo de Lennon, Ringo e Keith Moon, capaz de criar melodias belíssimas, entregar vocais derramados e gravar discos impressionantes. Se você não o conhece ainda, largue este texto e vá se atualizar. E Cat Stevens, o nosso Yusuf Islam, é um gênio das canções belas. Só que Devendra resolveu pegar seus discos mais obscuros – e renegados na época do lançamento – como “Izitso” e “Back To Earth” e, a partir deles, recriar certo clima de animação e leveza pop-folk, que Stevens/Islam deixou de lado, vindo recuperar apenas quando voltou à ativa, em 2006. Pois é com este DNA compartilhado que Banhart molda as canções e os arranjos de “Ma”, conseguindo resultados muito bonitos em algumas passagens.

 

Uma audição apurada do álbum vai comprovar: toda canção presente por aqui tem, pelo menos, um detalhe, uma passagem, um verso ou linha melódica, que desperta algum sentimento nostálgico/lírico. É tudo absolutamente bem feito e o resultado é belo. Até em momentos mais lúdicos, como “Carolina”, cantada em português esforçado, o arranjo de cordas salva qualquer traço e o verso final “eu deveria aprender português” é a confissão de uma fraqueza suposta, tornada força pelas circunstâncias. Além dela, a trinca de abertura, “Is This Nice?”, “Kantori Ongaku” e “Ami” mostra o quanto Devendra evoluiu como cantor e compositor. Os arranjos são abrangentes e capazes de cruzar pianos, teclados e cordas com maestria.

 

Há passagens realmente inspiradas: “Love Song” é uma belezura com arranjo que poderia pular para um samba rock num piscar de olhos, evocando algum flashback perdido numa tarde de sábado ao pé do rádio. “Abre Las Manos” é outro achado, com alguma reminiscência do clima de “Me And Julio Down The Schoolyard” sugerida. “Taking A Page” tem boa performance baterística, com letra surreal, enquanto “October 12” traz algo que não faria feio num disco setentista de Jose Feliciano. “My Boyfriend’s In The Band” tem letra em anglo-portunhol, mas novamente é compensada, dessa vez por um arranjo de metais, que confere poder de convencimento. O clima onírico de “The Lost Coast” e a arrebatadora faixa de encerramento, “Will I See You Tonight”, com participação de Vashti Bunyan, é uma lindeza sob a luz da lua.

 

Devendra Banhart pode ter perdido o seu poder de despertar hypes, mas hoje é um ótimo cantor e compositor, capaz de fazer discos belos, como este “Ma”, que, repito, vai passar batido se você não der a ele a devida atenção. Uma lindeza.

 

Ouça primeiro: “Ami”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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