A beleza ártica do novo Beirut
Beirut – Hadsel
48′, 12 faixas
(Pompeii)
Em 2015, Zach Condon, sob o nome Beirut, lançou seu quarto álbum, “No No No”. Era o momento exato em que ele rompia com o início de sua carreira cerca de dez anos antes, quando surgiu no cenário indie malandrinho mundial com uma mistura interessante de folk esquisito com influências … balcânicas. Era um tal de violinos, rabecas, acordeões, arranjos estranhos, flerte com timbres ciganos, enfim, uma musicalidade rara para o que havia então. Foi bacana, mas cansou rápido e o Beirut se viu obrigado a mudar esse cenário. Com aquele disco, Zach incorporava uma melancolia litorânea bela e surpreendente e baixava o nível da euforia musical de seus tempos iniciais. A mudança fez efeito e o trabalhos seguinte, “Gallipoli” (2019), manteve essa sonoridade e ampliava a ideia de levá-la para os palcos do mundo. Zach se organizou para excursionar mas foi impedido por dois problemas: o primeiro veio na forma de desgaste vocal, que o obrigou a operar a garganta e ficar de molho. O segundo se materializou no início de 2020, nada menos que a pandemia de covid-19. Zach precisou suspender todos os planos, além de lidar com todo o estresse surgido no início do confinamento social, causado pela letalidade avassaladora da covid-19. A solução? Fechar a casinha e se entocar numa cabana do norte da Noruega, numa cidade chamada Hadsel, para lidar com os turbilhões e incertezas. Este disco, que leva o nome do lugar, é o resultado disso.]
Segundo a Wikipedia, Hadsel é uma comuna da Noruega, com 566 km² de área e 8 039 habitantes. As cidades são distribuídas em quatro ilhas: Hadseløya, Hinnøya, Langøya e Austvågøy. Aproximadamente 70% da população vive na ilha de Hadseløya. A ilha Hadseløya é conectada à Langøya por uma ponte. Imerso por mais de dois meses, com alguns instrumentos – sintetizadores, trombone, violões, além de gravadores – Zach deu asas às angústias que o assombravam e registrou um punhado de ideias e canções, que resultaram nas doze faixas que compõem “Hadsel”. A sonoridade é descendente direta do que ele começou a fazer lá por 2015 e, como convém aqui, é calcada na contemplação e na busca por ter um pouco de paz em meio ao momento de caos que se instalava. Produzido por Condon, o álbum tem um clima plácido e totalmente adequado ao contexto em que se insere, além de confirmar o Beirut como um grupo-artista-entidade capaz de oferecer surpresas e mudanças de curso em sua trajetória, refletindo os modos e climas que afetam diretamente seu integrante-criador.
Mesmo com todas essas mudanças estéticas, o Beirut conservou uma característica marcante ao longo desses anos de existências: o fato de ser uma entidade criativa baseada no “do it yourself”, ou seja, desde a gravação, produção e lançamento, Condon é a pessoa envolvida e à frente de tudo. As tonalidades brancas e acinzentadas que “Hadsel” oferece são perfeitamente propostas nas doze faixas, que escapam da mesmice de álbuns “curativos” ou que refletem esses processos de expurgo vividos por seus criadores. A beleza das canções passa por uma aura comunal, propulsionada pelos sintetizadores constantes ao longo dos arranjos, fornecendo a base para que percussão, metais, cordas e teclados possam passear sobre o terreno. Em alguns momentos o tratamento dado à voz de Zach parece evocar o mesmo propósito de cantos gregorianos, com um timbre muito próximo.
“Hadsel” é pródigo em belas canções. A faixa-título, que inicia o álbum, já dá ao ouvinte a ambiência necessária para embarcar na jornada proposta. O fraseado dos sintetizadores evoca um pouco o clima étnico do início da carreira do Beirut, mas logo o caminho muda e as cores indicam o tom. A frustração com o cancelamento de ideias e planos se materializa da bela e triste “So Many Plans”, que fala de tudo o que se planejou mas não se concretizou, com um registro vocal que evoca muito sentimento e serve para dar forma a várias frustrações similares. Mas a tristeza não é a única emoção que está presente por aqui. “January 18th” é quase uma canção de redenção e recolocação nos trilhos, do mesmo jeito que “Stormarknes”, esta última conduzida por um belo riff de teclados e metais, que emolduram uma melodia que poderia ser tocada quando algum alpinista chegou ao topo da montanha que escalou por tanto tempo. Outras canções se destacam, como “The Tern” e “Island Life”.
Este álbum marca, talvez sem querer, a chegada do Beirut a uma maturidade que parecia impensada e nada planejada. E que chegou como fruto de percalços maiores e menores trazidos pela vida. É um disco natural, quase acidental, mas muito bonito. Ouça e constate.
Ouça primeiro: “Stokmarkness”, “Hadsel”, “The Tern”, “January 18th”, “So Many Plans”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.