Muna – Chegou o disco do verão (lá de cima)

 

 

 

Muna – MUNA
39′, 11 faixas
(Saddest Factory)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

Todo verão tem seu disco, certo? Ou, em termos de Brasil, tem seu ritmo. Lá em cima não é diferente, mas, em vez de sons de procedência duvidosa, hypados por uma mídia hegemônica que rolam por aqui, não raro eles se saem com ótimas sacadas musicais. Veja, por exemplo, o caso do trio angeleno Muna. Começaram a carreira tocando em buracos da região de Los Angeles e logo se viram com um contrato assinado com a gravadora RCA. Lançaram dois discos entre 2017 e 2019, conseguiram abrir show de gente como Harry Styles, mas nunca chegaram a decolar e ter uma trajetória promissora. Bem, até este ano. Kate Gavin, Josette Maskin e Naomi McPherson decidiram mudar de ares e assinaram contrato com a gravadora de Phoebe Bridgers, Saddest Factory e se reinventaram como um grupo de pop absolutamente comprometido com questões sentimentais e abordagens voltadas para o público LGBT, num movimento que deu ao Muna uma amplitude jamais vista. O lançamento do terceiro álbum, autointitulado, é, definitivamente, uma tomada de posição estética diante da carreira. O resultado é este: “MUNA”, o álbum, é a aposta mais certa para ser o disco do verão americano, respingando na Inglaterra e Europa. Não demora muito e vai chegar por aqui, com gente incensando loucamente e repetindo as resenhas jornalísticas de lá.

 

 

Isso não quer dizer que haja algum tipo de hype em torno do trabalho das moças, pelo contrário. O disco é muito bem feito e autoproduzido, resultando num feixe quase ininterrupto de canções pop cheias de ganchos e achados de arranjos muito bem pensados. É infeccioso a ponto de grudar na cabeça e tem vários hits em potencial. Essa roupagem de indie pop que o Muna confirmou neste terceiro álbum caiu muito bem e a liberdade criativa concedida por Bridgers para que o grupo se achasse, foi decisiva. A vocalista Kate Gavin assumiu o protagonismo que merecia e surge como uma musa em potencial. As canções assumiram também a lida com o mundo sentimental gay de uma forma natural e convincente, sem mostrar uma realidade glamurizada e irreal, apostando em vulnerabilidades e situações amargas para dar o tom de realismo necessário. O que não significa que as canções presentes aqui sejam tristes ou excessivamente alegres. Elas são reais, fortes às vezes, contemplativas, reais. E o verso “I wanna dance in the middle of a gay bar”, proferido na segunda faixa, “What I Want”, sacramentou a amplitude de sentimentos retratados aqui.

 

 

Falando assim, “MUNA” pode soar exigente para o ouvinte. Longe disso. Algumas canções aqui são apelos irresistíveis para a pista de dança, enquanto outras convidam a ouvir em silêncio os arranjos de baladas muito bem feitos pelas três integrantes. E tem o hit do álbum até agora, “Silk Chiffon”, que abre os trabalhos e tem clipe em alta rotação pelo YouTube adentro. A produção é no ponto, os elementos eletrônicos inspirados no que a cantora Robyn andou fazendo nos anos 2010, dão o tom exato do som que o Muna consegue oferecer: é pop inegável, com ótimas melodias e composições, porém tem um certo pedigree não-óbvio que o afasta do balaio de artistas banalizados pela realidade dos cliques e likes vigentes. Outro ótimo exemplo é a já mencionada “What I Want”, que tem um arranjo oscilando entre os anos 1990 e o presente, com ótimo uso de sintetizadores numa melodia imbatível.

 

 

“Runner’s High” também tem ótima batida e uso de diferentes tipos de teclados para formar uma ambientação que oscila entre a expectativa e o refrão, que também é ótimo. E como dissemos, há uma familiaridade com canções mais lentas e contemplativas, o que gera um ótimo equilíbrio. “Kind Of Girl” e “Handle Me” são ótimos exemplos da fluência no idioma baladeiro, o que é requisito essencial para qualquer grupo que queira usar o tempo “pop” como definidor de seu som. Nos momentos mais agitados, porém, o Muna soa como se fosse um Garbage synth, algo que tenha força e veracidade, porém, voltado para a dança, para a celebração nesses momentos.

 

 

Com boa parte da mídia alternativa gringa apostando neste disco, fica difícil ignorá-lo. E, bem, se todos os potenciais hypes fossem bons como ele é, não haveria qualquer problema. É só esperar chegar por aqui e constatar a eficácia deste terceiro álbum do Muna. Até agora, este é seu ápice.

 

Ouça primeiro: “Silk Chiffon”, “What I Want”, “Runner’s High”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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