Deu, 2020
Vamos ser sinceros: 2021 não será muito diferente de 2020. É o que indicam os fatos. A covid-19, apesar do início da vacinação, ainda deve nos atormentar por um bom tempo, o que nos fará ter certeza da absoluta falta de empatia e atraso total da população brasileira. A economia, capitaneada por este inacreditável governo, seguirá favorecendo a pouquíssimos a partir do achatamento de tantos. Os empregos não virão milagrosamente, uma vez que este mesmo governo está a serviço de uma elite transnacional, que tem como meta principal a sua perpetuação no poder. Sendo assim, o prognóstico não é nada bom.
Mas, em algum lugar da alma humana, reside o otimismo e a incapacidade de achar que as coisas vão, por exemplo, piorar.
Eu mesmo teria motivos para achar isso, uma vez que 2020, especialmente em seu final, foi um ano duríssimo para mim. Perdas, mudanças, decepções, esforços em vão, tudo isso povoou os doze meses e a pandemia só veio coroar isso. Apesar disso, de estar, digamos, nas cordas do ringue, eu acredito piamente na mudança e na permanência.
Sim, porque, se há algo que podemos achar de 2020 é que ele foi um período em que enfrentamos medos imaginados e materializados. Medos em nível público e privado e, por mais que tivéssemos amigos próximos ou distantes, nos sentimos sozinhos. E esta é a pior sensação que podemos experimentar, por mais que alguns de nós insistam em se gabar da vontade em abraçar a solidão como meio de vida.
Uma coisa é fazer o que se quer durante o dia porque ninguém irá opinar em contrário.
Outra é querer conversar, falar, olhar alguém e não ter vivalma.
2020 foi sobre isso, acima de tudo.
Quando vimos parentes, amigos e gente em geral saindo nas ruas sem máscara e sem respeitar as medidas mínimas de distanciamento social, o próprio conceito de sociedade – que pressupõe a vida em conjunto respeitando normas de convívio – se desfez, pelo menos aqui no Brasil.
Quero crer que a versão 2020 do nosso país espelhou, infelizmente, o atual momento político, que reflete um momento de extrema confusão, no qual o Brasil abraçou o que há de pior na nossa tradição cultural. O egoísmo, a burrice como meio de afirmação, a pobreza de espírito, a desconfiança e o ato de enxergar a vida como uma constante trajetória em que só é possível massacrar quem discorda do que você pensa.
Este é o Brasil pós-2016, que se ergueu a partir do que havia de pior em nós. E nós estamos passando por isso até agora. E, lamento dizer, 2021 não parece significar o fim disso.
Mas, quem sabe? Pode significar o começo do fim.
O que importa em 2021 é a noção de que estamos diante de um ano de mudança. A eleição de Joe Biden nos Estados Unidos significou o desencorajamento desta maneira nada empática de viver. Ao derrotar donald trump, Biden – que é um político conservador, mas humano – mostrou que não somos obrigados a viver sob esta lógica de destroçar o semelhante, uma vez que ele será sempre o nosso “competidor”.
Não é assim.
Se há algo que eu desejo para 2021 é que ele nos devolva a leve impressão de que podemos confiar nas pessoas, na sociedade, no país. Minimamente. Porque não é fácil se sentir sozinho em diferentes níveis, sem governo, sem autoridades, sem cuidado, sem a impressão de que há gente cuidando do país, das pessoas, das crianças.
Que 2021 nos devolva isso. Pelo menos.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.