Depois de três décadas, Billy Joel apresenta canção nova.

 

 

 

Poucos músicos populares de sucesso mundial assumiram cedo e de modo aparentemente pacífico a condição de “artistas de legado” como Billy Joel. Para quem não sabe, artista de legado é aquele que vive do que produziu no passado. Existem muitos artistas de legado que escrevem canções novas na terceira idade, mas esta produção tem alcance muito menor do que a dos tempo em que eles conheceram o sucesso pela primeira vez. Muitas vezes é na obra madura de músicos populares que eles creem que está o melhor que inventaram, mas os consumidores em geral não se interessam muito pelo modo como os criadores percebem suas próprias criações. Ao contrário dos fãs (ou consumidores especializados, como queiram), os ouvintes comuns sempre têm interesse especial por aquela parcela da produção de um músico que os alcançou de modo mais efetivo. Depois de muitas décadas de carreira, cantores e grupos de música popular viram prisioneiros do próprio passado. Paul McCartney, por exemplo, lançou várias gravações novas no século XXI, mas os shows de três horas de duração que costuma fazer têm seus setlists dominados por canções escritas e registradas nas décadas de 1960 e 1970.

 

A razão (ou razões) pela qual Billy Joel desistiu de lançar álbuns com canções inéditas depois de 1993 deve estar disponível em algum lugar da internet, mas em vez de buscar por ela faremos um exercício de imaginação, como se o músico fosse um personagem literário. Vamos supor que Joel, depois de passar mais de duas décadas atendendo as demandas da indústria fonográfica por canções novas, tenha antevisto como seria o seu futuro no mercado de discos e de shows e decidido que não valeria a pena fazer esforço criativo para escrever material novo que seria tratado de modo indiferente pela imprensa e pelo público em geral. Mais do que admissão antecipada de derrota, seria uma estratégia de preservação individual. Sem a necessidade de compor canções novas, Joel teria mais tempo para curtir o montão de dinheiro que acumulou com as vendas de mais de 150 milhões de discos e faria shows apenas com o repertório “confirmado” (como fazem quase todos os artistas veteranos).

 

Apesar de algumas incursões como compositor de música de concerto (tonal, of course), Billy Joel é um cancionista cujo modelo estético é o já citado Paul McCartney. Elton John, que apareceu na cena musical um pouco antes de Joel, também teve seu modo de escrever e de apresentar canções informado por McCartney, mas principalmente por John Lennon, ou melhor, pelos Beatles. Elton John fez parcerias fonográficas com John, George e Ringo, mas jamais participou de um álbum de Paul. Razões pessoais, suponho. Como cancionista, Billy Joel brilha no que se costumava chamar de “rock balada”, em que melodias atraentes e fáceis de memorizar (mas nem por isso banais) tocadas ao piano têm mais importância do que o pulso acelerado do rock’n’roll. Não que Joel não tenha em seu acervo fonográfico valiosas canções “rápidas”, eles as tem, mas a parte mais suculenta do songbook dele é feita de canções “lentas” como “Piano Man”, “New York State of Mind”, “Just the Way You Are”, “Scenes from an Italian Restaurant”, “Honesty” e “The Longest Time”, entre outras do tipo. Joel é um dos expoentes de um tipo lânguido de canção pop que está em vias de extinção no século XXI, época em que o gênero hegemônico não é mais o rock, mas sim o hip hop.

 

Billy Joel viveu como cancionista “aposentado” por décadas, mas há poucos dias, mais precisamente em 4 de fevereiro de 2024, na cerimônia de entrega dos prêmios Grammy (Joel tem 5 dessas estatuetas em casa, uma delas de “Álbum do Ano” para “52th Street”, de 1978), ele apresentou uma canção nova. “Turn the Lights Back On” é mais uma balada arrebatadora de Joel. Em outros tempos, o retorno de um compositor notável como Billy Joel com uma canção nova depois de mais de 30 anos de afastamento faria a mídia que se dedica às questões da música popular tremer, mas hoje, com o excesso de informação fornecido pela internet, é apenas mais um ruído perdido na cacofofia cotidiana. Não creio que os jovens da Geração Z (e muitos millennials também) hão de se importar com a nova canção/gravação de Billy Joel, mas nós, ouvintes veteranos, nós que não cozinhamos mais na primeira fervura, somos o público-alvo de “Turn the Lights Back On”, sobretudo pela sonoridade que remete aos antigos sucessos de Joel e à letra que propõe uma reflexão sobre a passagem do tempo não só em um relacionamento íntimo, mas também na trajetória de um artista que conheceu o sucesso, afastou-se do circo midiático por muito tempo e decidiu voltar antes que fosse tarde demais para ele (e para nós, por que não?).

 

A letra de “Turn the Lights On” diz: “Por favor abra a porta/Nada é diferente, já estivemos aqui antes/Andando por esses corredores/Tentando falar sobre o silêncio/ O orgulho põe a língua para fora/Ri do retrato que nos tornamos/Preso em um quadro, incapaz de mudar/Eu estava errado… Estou atrasado, mas estou aqui agora/Ainda há tempo para o perdão?… Eu esperei muito tempo/Para acender as luzes novamente?” Peço desculpas pela reprodução de um longo trecho da letra da canção, mas precisei recorrer a ele para mostrar que, sim, “Turn the Lights Back On”, como sugere o título, fala sobre a ausência prolongada de Joel e a volta dele, tardia, mas não irrelevante, ao cenário pop. Ainda existe bastante demanda por canções escritas à moda antiga e Joel sabe como fazê-las. Os cínicos dirão que a nova canção é “mais do mesmo” como se isso fosse um problema. Na verdade, é exatamente por oferecer “mais do mesmo” que a nova canção de Billy Joel é necessária. É assim que ele sabe fazer canções e é por isso que quem gosta de melodias populares bonitas deve recebê-lo de volta de braços abertos.

 

P.S.: depois de escrever esse texto, fiz uma rápida pesquisa e vi que Billy Joel lançou em 2007 um single com canção inédita, “All My Life”. Logo, o afastamento dele do mercado fonográfico não é tão longo quanto afirmei. Em minha defesa (se é que posso me defender agora, rs), a canção passou batida quando lançada. Espero que o mesmo não aconteça com “Turn the Lights Back On”.

 

Zeca Azevedo

Zeca Azevedo é. Por enquanto.

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