As sutilezas da música de Helado Negro

 

 

 

 

Helado Negro – Phasor
35′, 9 faixas
(4AD)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

 

“Phasor”, o novíssimo álbum de Helado Negro, é desafiador. Digo isso porque sua sonoridade é quase natural, no sentido de pertencer ao habitat, ao entorno. É como se Roberto Carlos Lange, o nome do produtor, multinstrumentista e poeta americano – de ascendência equatoriana – por trás de tudo, fosse um observador de paisagens e pássaros desses que se embrenham na mata atrás de melhores imagens e registros. Não sei se essa impressão agradaria ao próprio Lange, talvez sim. O fato é que as nove canções do álbum exibem essa abordagem silenciosa do som. Parece um paradoxo, uma contradição de termos, mas a sensação que as faixas transmitem é de alguém falando baixo, escolhendo as palavras, procurando as inflexões certas, ao mesmo tempo que tudo isso também soa natural, imprevisível. É mérito de Lange, conseguir essas impressões que vão além da música em sua abordagem usual. Helado Negro traz mais que melodia, harmonia, composições. É quase uma sensação.

 

E não é exagero pensar assim. Ouvindo as nove canções de “Phasor” é possível notar que tudo poderia ser mais fácil se Lange quisesse. Afinal de contas, são estruturas de funk, soul, avant pop, devidamente subvertidas por essa impressão de silêncio/natureza que tentei descrever acima – e que não sei se consegui. Uma audição atenta do álbum mostrará, no mínimo, que há algo de diferente – e sedutor – nas composições. É interessante lembrar que o trabalho anterior, “Far In”, de 2021, mostra uma sensação diferente, até porque era uma obra concebida em meio ao isolamento social e ao medo da covid-19. Ali, Lange aproximou os componentes do espectro e os enfiou num espaço pequeno, abafado e escuro. Aqui, em “Phasor”, a ideia é oposta, é um álbum de espaço aberto, de praia, de rio, de árvores.

 

Lange toca todos os instrumentos e concebeu o álbum em uma casa-estúdio na Carolina do Norte, um estado americano com um belo litoral – cenário do filme “O Príncipe das Marés, por exemplo – e cheio de informações visuais interessantes. Ali, devidamente isolado e em contato com essa natureza exuberante, ele encontrou os formatos desejados. Primeiro single e faixa de abertura do álbum, “LFO (Lupe Finds Oliveros)” tem uma energia punk, toda motriz e crocante, que é devidamente adaptada à palheta sonora e ao conceito de Lange. Na faixa, ele imagina um encontro entre a compositora minimalista e praticante de meditação sônica Pauline Oliveros, e Lupe Lopez, uma mexicana-americana que trabalhou para a Fender Guitar construindo amplificadores e guitarras nos anos 50. É excêntrico, eu sei, mas faz sentido após ouvirmos o resultado. Em “I Just Want to Wake Up with You”, uma canção assumidamente romântica, está o amor digital em ruínas das linhas de teclado de Lange. Seus apelos românticos são doces e sinceros, capturando detalhes minuciosos de alguém que está apaixonado, mas nervoso, questionador e hesitante. Depois de arrulhar “Minha voz muda, então você sabe”, ele brinca alegremente com os papéis e expressões de gênero, cantando “Sou apenas uma garota, sou apenas um menino / Sou apenas um homem, sou apenas uma mulher / eu só quero acordar com você.

 

Em “Colores del Mar”, a voz multitrack de Lange flutua sobre uma faixa de apoio esquelética que também serve como a batida mais dançante e inquieta do álbum. Na faixa, Lange está cansada e melancólica, cantando: “Não quero que você me procure / Só quero desaparecer / E não quero que eles venham me ver / Só estou procurando o seu amor. ” É um desejo de escapismo privado e ao mesmo tempo querer permanecer firmemente plantado no presente.

 

“Echo Tricks Me” e “Out There” são gêmeas frágeis quase eletrônicas, mas que escapam gloriosamente pela tangente, enquanto a grande, imensa e colossal “Best For You And Me”, melhor canção do álbum, enverga um groove dançante – e pra lá de sóbrio – com vocalizações celestiais, teclados aquáticos e uma letra que remonta às sensações de Lange com a separação de seus pais, há muitos anos.

 

A impressão que “Phasor” traz é que ele é uma dessas lembranças de algo que nunca ou sempre existiu. Ouça e sinta.

 

Ouça primeiro: “Best For You And Me”, “Colores del Mar”, “Echo Tricks Me”, “Out There”, “LFO”, “I Just Want To Wake Up With You”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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