De porcaria a antológico, diria o Bituca

Na foto: Lester Bangs – Reprodução

 

Uns anos após o lançamento de seu seminal álbum Clube da Esquina (1972), Milton Nascimento questionou um entrevistador, tendo o disco como tema. “Quando saiu, foi considerado uma porcaria, e hoje é chamado de antológico”, ironizava o Bituca de Três Pontas.

Essas mudanças de conceito em relação a álbuns e artistas não são nada incomuns. No caso específico do rock and roll, há uma explicação bastante lógica para essas, digamos assim, “revisões históricas”. Tem a ver com a mudança do perfil da média dos críticos.

Até o estouro do rock and roll, na década de 1950, crítica musical era um segmento que basicamente emulava o jeitão empolado e formal de outros setores, como crítica literária, cinematográfica etc. Musica dita popular era tratada a pontapés, e só o jazz mais consolidado e a música erudita mereciam o devido respeito.

Quando aquele novo estilo musical surgiu, era inicialmente tratado como um modismo fadado a durar um ou dois verões, se tanto. Logo, os sujeitos designados para resenhar trabalhos dessa praia eram os mesmos de outros gêneros mais, digamos assim, “respeitáveis”.

Nos anos 1960, a partir do surgimento de publicações especializadas em música pop como Rolling Stone, Creem e outras, esse perfil começou aos poucos a mudar. No princípio, a rejeição a artistas mais populares se manteve, e isso explica de certa forma a rejeição a grupos como Led Zeppelin, Black Sabbath, Kiss e outros.

No entanto, aqueles garotos que cresceram ao som dessas bandas e odiavam ler as detonadas que seus ídolos levavam resolveram partir para o “faça você mesmo”, e criaram fanzines. Dali saíram os novos críticos especializados, que a partir dos anos 1980 se empenharam em rever o passado e reabilitar bandas antes execradas. Afinal, esses grupos foram as trilhas sonoras de seus anos formativos.

Quando a molecada de hoje venera Led, Sabbath, Aerosmith, Ramones etc, nem imagina que seus ídolos já foram considerados abaixo de zero, na cadeia alimentar da música. Será que isso ocorrerá futuramente com artistas hoje também avacalhados por “especialistas”, tipo o grupo americano Greta Van Fleet? Que venha um DeLorean turbinado pelo doutor Emmett Brown para que embarquemos nele e possamos saber…

Fabian Chacur

Faban Chacur é crítico e jornalista especializado em música desde 1985, mas, acima de tudo, um apaixonado pelo tema. Edita o o ótimo http://www.mondopop.net/

2 thoughts on “De porcaria a antológico, diria o Bituca

  • 13 de janeiro de 2021 em 02:10
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    Olá. Sou um antológico arqueotípico rocker dos anos 70. Então prezo, e reviso sempre bandas que aconteceram, geraram sucessos pouco conhecidos, e que foram revisitados, nos últimos 30 anos. Gostaria de destacar um artista em específico, que muitos conheceram pelas suas músicas despojadas, pop-rocks de grande sucesso nos anos 80, que foram ouvidas e curtidas pela turma de cabeludos New Wave dos anos 80, sem perceber que o cara já exalava muito talento e testosterona nos anos 60-70. Falo de Steve Winwood, compositor, guitarrista, que começou na Banda do Eric Clapton and The Powerhouse, já botando pra quebrar com uma das maiores celebridades do Rythm’n’Blues. Em 1967 até 1969, fez parte da Banda Traffic e também em um projeto paralelo, chamado Blind Faith, uma superbanda absurdamente talentosa, que criou composições como “Can’t Find My Way Home”, “Presence of The Lord, um disco icônico por apresentar na capa uma moça de 15 anos carregando um avião com um sentido conotativo que lembra o membro masculino, e que gerou muita polêmica. Mas tirando essas polêmicas, não há críticas que se sustentem contra a qualidade, a sonoridade intimista, a força e energia dos vocais, das guitarras e dos vários instrumentos e composições arrojados e proféticos/contestadores/românticos que praticamente tira a necessidade do ouvinte de usar algum tipo de cogumelo mágico para viajar nas nuvens cósmicas roqueiras. Fica a Dica. Abraço.

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    • 13 de janeiro de 2021 em 08:20
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      Opa, Sandro, obrigado pela dica. O Steve Winwood é gigante. Em breve vamos colocar algo dele por aqui. Abraço.

      Resposta

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