O que importa no tapa de Will Smith em Chris Rock

 

 

Acordei com a informação de que Will Smith agredira Chris Rock na cerimônia do Oscar, realizada ontem, dia 27. A princípio pensei ser algo encenado, para dar um toque a mais ao evento, mas não era. De fato, Smith, que venceria o prêmio de Melhor Ator por sua atuação em “King Richard”, desferira mesmo uma bifa nas fuças de Rock, que apresentava a cerimônia. O motivo? A piada péssima que ele fez com a esposa de Will, Jada Pinkett-Smith, dizendo que ela faria o papel principal em “GI JANE 2”. Jada aparece no vídeo com a cara amarradíssima após a piada e Will surge caminhando em direção ao palco, para, logo em seguida, dar um tapa em Rock. Ele diz algo como “Bem, Will Smith acabou de me dar uma porrada na cara” e Will, já no seu lugar na plateia, responde: “Tire o nome da minha esposa da p…. da sua boca”, aos gritos.

 

Pois bem, o motivo da raiva de Smith é plenamente justificável. Jada estava com um corte baixinho no cabelo, por conta da condição que vive há alguns anos, a alopecia, que é uma doença que traz a queda de cabelos. Rock mencionou “GI Jane”, um filme estrelado por Demi Moore, que recebeu o nome “Até O Limite da Honra”, no qual a atriz vive uma recruta da Marinha Americana, que precisa passar por treinamentos pesados até conseguir se graduar.

 

A piada, repito, é péssima e misógina até não poder mais. Passível de processo e várias outras medidas de apreciação pela Justiça, mas, a atitude de Will Smith é lamentável. Não se trata de ser condescendente com piadas de mau gosto, uma praga que acomete o humor global há alguns anos e que se vale de absolutamente qualquer fato para “fazer rir”. Rock merece um processo por difamação, no mínimo. E, acho eu, perderia fácil. Só que, após o ato de Will, ele poderia prestar queixa na polícia e Will ser preso, passível de julgamento por lesão corporal. Por que isso, se a esposa de Will foi ofendida de modo imperdoável? Porque a ideia da Justiça é julgar condutas reprováveis – as duas são – e punir quem as comete. Se antes da agressão, apenas Rock seria passível de julgamento, depois dela, Will também é. Simples assim.

 

Vejam, com isso não estou endossando a prática deste humor lamentável e humilhante, longe disso. Mas o revide também é passível de apreciação jurídica e reprovável. O Oscar é uma espécie de “festa da firma” na qual uma das indústrias mais rentáveis do planeta se compraz de seus lucros e poder de influência. Ver uma cena como a de ontem, automaticamente mancha o evento e eclipsará para sempre os vencedores da noite. Responder a uma provocação, a uma piada de mau gosto, com violência é endossar a canalhice anterior, justificá-la, dar ao provocador o que ele quer. É um erro, por mais que o sangue ferva e tudo mais.

 

Agora, cá entre nós: ninguém vai falar sobre o machismo presente neste fato? Todo mundo endossando a “honra” de Will Smith, a postura do homem que reage com violência à agressão sofrida pela esposa, como se este fosse o seu papel na sociedade? O de um neanderthal com sua clava? Eu, sinceramente, acharia mais legal e muito mais aceitável que a própria Jada se levantasse e metesse o dedo na cara de Chris Rock, reduzindo-o a pó verbalmente. Tudo bem que o Oscar deve ser insuportável para quem já ganhou milhões e que seja um saco ter que fazer cara de paisagem diante das mesmas piadas sem graça, mas, gente, são milhões e milhões de pessoas assistindo. Fosse isso num churrasco de ex-alunos da faculdade, na mesa do bar, a atitude talvez fosse mais tolerável, mas, sinceramente, diante das câmeras? Não.

 

De resto, a lamentar apenas que meu favorito, “Drive My Car”, só levou mesmo a estatueta de Melhor Filme Estrangeiro e “Duna”, outro querido meu, este sim, levou vários prêmios técnicos. No mais, só lembraremos deste Oscar como “o Oscar do tapa”. Parabéns aos envolvidos.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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