Dá pra torcer pelo Brasil na Copa 2022?
Estamos a quinze dias da estreia do Brasil na Copa do Mundo: o jogo contra a Sérvia, no dia 24 de novembro, marca o início do caminho que o time do treinador Tite vai tentar trilhar em busca do Hexacampeonato. E aí? Você está interessado/a nisso? A discussão sobre a relevância da seleção de futebol profissional do Brasil já era importante antes de 2014, quando a camisa da CBF foi apropriada como símbolo de uma suposta identificação com o país. Era o início do segundo governo Dilma Rousseff, marcado por uma reação política dos derrotados, dispostos então a não deixa-la governar e, a partir disso, dificultar todos os passos de seu mandato. Tal ação culminou com seu impeachment sem provas em 2016, em meio a um clima de crescente inquietação social. As forças identificadas com este movimento golpista e com a ascensão de um conservadorismo aberto e ostentado, inédito na história do país, faziam passeatas pelas ruas com a camisa amarela do Brasil.
Quando o derrotado ocupante da presidência foi eleito em 2018, todos os atos em apoio à sua candidatura traziam multidões vestidas com a “amarelinha”, como se eles fossem os únicos brasileiros dignos de usar cores e símbolos identificados com o país. Ao longo dos últimos dez anos, aproximadamente, a camisa amarela do Brasil é um símbolo identificado com forças conservadoras que defendem/defenderam pautas sempre correspondentes ao atraso, ao preconceito, à manutenção do país como um estado coadjuvante no cenário mundial. Curiosamente, o único protagonismo que essa gente acha possível para o Brasil é no futebol, ganhando “dos gringos” no gramado, mostrando “quem nós realmente somos”.
Na verdade, a utilização do futebol e do esporte como um espaço de publicidade política não é algo novo. Países diversos já fizeram isso ao longo do tempo e, para ficarmos apenas no âmbito nacional, em 1970, a seleção brasileira foi adotada pelo regime civil-militar como um símbolo máximo de orgulho pátrio. O time comandado pelo técnico Zagallo (mas montado e concebido pelo jornalista comunista João Saldanha, sacado do comando pouco antes da Copa do México) foi um dos mais fortes divulgadores do governo do presidente-general emílio médici. Torcer para o “escrete canarinho” naquela época era algo quase impossível para pessoas que tinham posicionamento político contrário ao regime, tamanha a propaganda que se fez nas mídias da época. A questão sempre esteve no plano da identificação e da representação, questões que são manipuláveis e voláteis, variando de tempos em tempos de acordo com vários fatores em ação na sociedade.
Agora, às vésperas da Copa do Qatar, como faremos com a seleção brasileira de futebol? O problema não é apenas da camisa e sua cooptação por um bando de pessoas querendo intervenção militar e aprofundamento de desigualdades sociais no Brasil. A própria CBF é uma instituição altamente questionável, cujo último presidente foi afastado por conta de várias denúncias de assédio sexual contra funcionárias. Mais que isso: a governança da Confederação Brasileira de Futebol é arcaica, pregando um modelo de divisão com base em federações estaduais, que não consegue traduzir a importância do futebol no país e aprofunda o desequilíbrio de forças entre diferentes áreas do Brasil. Mas esta nem é a questão mais importante aqui.
Quem são os jogadores de futebol que defendem o Brasil na Copa? Não raro, são atletas que têm sua vida e carreira construída a milhares de quilômetros do nosso país. A cada ano estes jogadores saem mais jovens do Brasil para jogar em times gringos e isso torna quase impossível uma identificação com o torcedor médio. Eu mesmo, rubro-negro que sou, estou interessado em como Everton Ribeiro e Pedro (atuando no Flamengo) e Vini Jr e Lucas Paquetá (formados no clube e atuando em Real Madrid e West Ham, respectivamente) participarão da Copa. Fora deles, não tenho qualquer interesse nos jogadores que estão lá, ou no próprio Tite e em sua comissão técnica. Simplesmente prefiro ignorá-los. E esta minha postura é de alguém que acompanha futebol e sabe, pelo menos, os nomes e os times dos convocados pelo treinador gaúcho.
Novamente no campo da sociedade, a maioria destes atletas é conservadora na opinião política ou convertida a alguma religião neopentecostal. Às vezes, ambos. E muitos deles têm vários problemas com a justiça, seja por sonegação de impostos, caso de neymar, seja por questões referentes a problemas com seus casamentos, caso de Antony, Eder Militão e Rodrygo. Queremos ser representados por estes atletas? Além disso, o camisa 10 deste time chegou a participar de lives e eventos em apoio ao ocupante derrotado da presidência, sem falar que é um atleta que coleciona polêmicas e desafetos por onde vai, apelando sempre para expedientes com pouca ou nenhuma desportividade, sendo detestado por vários futebolistas do presente e do passado. A verdade é que os jogadores de futebol, em sua maioria, nunca foram, pelo menos no Brasil, uma classe com consciência política. Se o passado nos deu exemplos destoantes dessa lógica, como Casagrande, Sócrates e Raí, também nos deu conservadores como Ronaldo Nazário e o próprio Zico, ídolo rubro-negro, que até chegou a fazer parte do governo collor de melo entre 1990 e 1991.
O fato recente do uso da camisa da CBF como símbolo máximo do conservadorismo da sociedade brasileira é tão sério que a própria instituição iniciou campanha para desvincular o uniforme. Me pergunto se faria algo semelhante caso o atual presidente fosse derrotado nas urnas e tenho quase certeza que não. O fato é que, infelizmente, o futebol já é um produto midiático há tempos e seus fãs mais dedicados compreendem perfeitamente que uma Copa do Mundo, por mais que o povo se vista com as cores nacionais, é um espetáculo global, muito mais importante do que um triunfo da seleção. O verdadeiro torcedor tem paixão mesmo por seu time do coração, por seus craques, pelas lembranças que vêm à tona a partir daí. Eu, por exemplo, adoro ver confrontos exóticos nas Copas. Presto atenção na campanha de seleções africanas e sul-americanas e torço por elas quando jogam contra suas metrópoles antigas. Adoro quando o México vence a Espanha, por exemplo. Ou quando o poderoso escrete alemão é detonado por um país africano. Mas essa é a minha visão.
Ultimamente passei a gostar quando a CBF perde para argentinos e uruguaios, mas não recomendo assumir esta visão em público. Ou recomendo, sei lá. A verdade é que, por mim, a seleção da CBF é uma mera coadjuvante na Copa do Qatar e seus jogadores, salvo os que mencionei acima, são absolutamente desinteressantes.
Mas esse sou eu.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.