Célula Paul
Vocês sabem, Paul McCartney está voltando ao país. Nos dias 26 e 30 de março, ele e sua ótima banda estarão em São Paulo – no Allianz Parque – e em Curitiba, no tradicional Estadio Couto Pereira, trazendo sua Freshen’Up Tour até nós. Ele terminou o ano passado com shows em Londres e descansa até o fim de março, quando retoma a turnê com apresentações em Santiago e Buenos Aires. Uma olhadela no setlist desses últimos shows londrinos mostraram um problema crônico nas apresentações de Macca: a mesmice.
Veja, quem somos nós para criticar as escolhas do homem? Ninguém, certo? Somos capazes de ouvir seus discos, apontar detalhes, identificar tendências e tal, mas temos a consciência que, daqui a mil anos, nossos descendentes olharão para o século 20 e o nome de Paul surgirá como um dos maiores representantes da música popular. Logo, ele está meio que acima dos críticos e da própria crítica. Pode e deve levar seus shows para sortudos ao redor do planeta e esbaldar suas mentes com lembranças, felicidade, a velha encenação nas explosões em “Live And Let Die”, tudo como se isso nunca tivesse sido feito.
Ainda lembro das apresentações que Paul trouxe ao país em 1990, sua primeira vez no Brasil e sua primeira turnê desde 1976. Era um tempo em que ele passava por um período de reflexão e reatava sua musicalidade com o passado beatle. Não deve ser fácil, né? Ser um ex-beatle, ter criado obras-primas que identificam o próprio ser humano enquanto entidade pensante. Como encontrar estímulo para continuar compondo? Pois bem, Paul jamais parou.
Pelo contrário, é um dos mais prolíficos artistas em atividade. Inquieto, criativo, futurista, sabedor de seu papel como gênio pop e de sua responsa. Na época ele vinha lançando seu ótimo disco “Flowers In The Dirt”, puxado pelo hit “My Brave Face”. Seu repertório nos shows dados no velho e mitológico Estádio do Maracanã trazia esta e outros poucos números do disco vigente e uma penca de canções dos Beatles, dos Wings e de sua carreira solo. Fui nas duas noites – 19 e 21 de abril.
Posso dizer que estas apresentações foram as melhores que vi de Paul. Ou, pelo menos, as com repertório mais abrangente e interessante. O vi em shows em São Paulo (2010), Rio (2011) e Belo Horizonte (2013) e seu repertório variou pouquíssimo. São clássicos, são indispensáveis, mas, Paul, calma, né? Se há alguém com canções de sobra para enfileirar num palco, este alguém é McCartney. E ele sabe disso, está revisitando sua carreira solo e no Wings com vários relançamentos de discos em formatos duplos e múltiplos, lançando versões demo, o homem tem ciência de sua obra, evidentemente.
Sendo assim, num exercício livre de dedicação jornalística, misturada com admiração e curiosidade, montamos uma playlist com o simpático nome de CÉLULA PAUL, com 35 canções que fariam uma apresentação do ex-beatle ser absolutamente sensacional e inesperada. Alguns cavalos de batalha estariam presentes, mas clássicos lembrados e esquecidos estariam incluídos, mostrando mais ainda a excelência de Paul na arte da ourivesaria e da artesania musical.
Vejam, ouçam e palpitem.
– I Saw Her Standing There (1962) – clássica abertura do primeiro disco dos Beatles, costuma aparecer com certa frequência em shows.
– All My Loving (1963) – de “With The Beatles”, segundo álbum dos Fab Four e uma das canções mais bonitas do repertório inicial deles. Presença fácil em shows.
– Despite Repeated Warnings (2018) – melhor faixa do último e razoável disco “Egypt Station”.
– C’mon People (1993) – faixa gloriosa de encerramento do subestimado disco “Off The Ground”.
– Bluebird (1973) – sensacional balada com toques caribenhos, esquecida em meio ao repertório do clássico “Band On The Run”.
– Tomorrow (1971) – lindeza absoluta de “Wings Wildlife”, recentemente remasterizado e relançado em vários formatos.
– Here, There And Everywhere (1966) – talvez a mais bela balada beatle de todos os tempos, um dos momentos mais lindos de “Revolver”.
– Goodnight Tonight (1979) – o primeiro compacto que comprei depois da Coleção Disquinho. Uma aula de baixo e batidas disco.
– My Brave Face (1989) – belezura pop com memória afetiva para o primeiro Paul In Rio, faixa de “Flowers In The Dirt”.
– Say, Say, Say (1983) – do bom disco “Pipes Of Peace”, parceria com Michael Jackson. É mais fácil Paul tocar o hino do Flamengo num palco, mas a gente sonha.
– Silly Love Songs (1976) – do ótimo “Wings At The Speed Of Sound”, disco que levou os Wings a excursionarem pelos USA no bicentenário do país. Um clássico absoluto.
– Coming Up (1980) – Paul tocou essa música em todos os shows brasileiros em que eu NÃO ESTAVA. Do ótimo “McCartney II”, disco no qual ele toca todos os instrumentos, produz, bate escanteio e cabeceia. Em 1990 ele tocou a canção numa versão estranha, que as pessoas chamaram de A LAMBADA DO PAUL
– Listen To What The Man Said (1974) – canção belíssima do subestimado e ótimo “Venus And Mars”.
– Back In The USSR (1968) – do “White Album” dos Beatles, uma homenagem velada ao estilo dos Beach Boys. Outra memória afetiva dos shows de 1990.
– Blackbird (1968) – outro clássico do “White Album”, com Paul ao violão explicando a letra antirracismo que compôs em meio à luta dos afro-americanos pelos direitos civis.
– Press (1986) – do rejeitado álbum “Press To Play”. A canção – e o disco – merece uma chance de reavaliação no palco.
– Can’t Buy Me Love (1964) – de “A Hard Day’s Night”, tão importante quando a Monalisa.
– She Loves You (1963) – uma canção que, se fosse tocada ao vivo, promoveria um frenesi sem paralelos na humanidade. Sem exageros.
– Michelle (1965) – do clássico “Rubber Soul”, a entrada dos Beatles no mundo da grande arte pop com ressonância “além da música”.
– Pipes Of Peace (1983) – libelo de paz em tempos de fim de Guerra Fria com melodia celestial.
– Ballroom Dancing (1981) – maravilha esquecida no sensacional disco “Tug Of War”. Paul a releu em “Give My Regards To Broad Street” (1984), mas o original é imbatível.
– Waterfall (1980) – outra de “McCartney II”, com timbres eletrônicos em meio à doçura já conhecida.
– Live And Let Die (1973) – inevitável tema para o filme de James Bond homônimo. Paul encena a mesma piada após as explosões do fim da música. A MESMA PIADA SEMPRE.
– Uncle Albert/Admiral Halsey (1971) – maravilha psicodélico-infantil do soberbo disco “Ram”.
– With A Little Luck (1978) – uma pepita de ouro soft rock esquecida em meio ao bom disco “London Town”.
– Another Day (1971) – a resposta de Paul a “Yesterday”. Autorreferência e tudo mais.
– Yesterday (1965) – inevitável.
– Let’em In (1976) – outra de “At The Speed Of Sound”, uma festa para os ouvidos.
– Hey Jude (1968) – outra que é inevitável.
Bis
– Band On The Run (1973) – talvez a melhor canção composta por Paul fora dos Beatles. Talvez.
– Fool On The Hill (1968) – uma lindeza que foi cantada aqui em 1968 com Paul sentado num piano colorido que era suspenso por um elevador e dava a sensação de rodopiar no ar. Quem viu, viveu.
– Get Back (1969) – outra que é inevitável.
– Let It Be (1969) – mais uma do time das imexíveis.
– Golden Slumbers Medley (1969) – o fecho perfeito.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Paul McCartney pode cantar o que quiser e quem o ama verdadeiramente, não se cansa de ouvi-lo, ele pode cantar as mesmas músicas, não faz diferença. É Paul, é Beatles e acabou.
Sempre sinto falta de My Love!
Quando o assisti no Engenhão teve homenagem ao Ringo com Something e eu desabei em lágrimas…
De resto é deixar o Abe Laboriel Jr descer a lenha! (Um show a parte)