A ofensa brasileira aos Macron

 

Vocês viram: o atual presidente do Brasil fez comentário em rede social comparando a beleza das primeiras-damas de Brasil e França. A situação surgiu após a fala do presidente francês, Emmanuel Macron, sobre a questão das queimadas na Amazônia ser um problema mundial e ter convocado uma reunião do G7 para tratar do assunto. Esta postura gerou uma reação do governo brasileiro, que variou do inacreditável ao inadmissível, culminando com o comentário do atual presidente, dando a entender que, sua esposa, de 37 anos, seria mais bonita que Brigitte Macron, de 66 anos. Isso surgiu após uma comparação entre as duas mulheres, na qual foi dito que Macron tem inveja do presidente brasileiro, por ter uma esposa mais velha e “pior”.

 

Sou doutorando em História e já li muita coisa sobre a trajetória do nosso país ao longo dos tempos. Confesso que o atual governo tem quebrado parâmetros de decência e cortesia diplomáticas que eu jamais pensei ser possível. Sabemos que faz parte do nosso tempo o manuseio da falta de educação como uma ferramenta de “autenticidade” e “aproximação com o povo”, mas, mesmo assim, é algo que embrulha mesmo o estômago academicamente treinado. Não se trata de ideologia política, pelo menos, não no sentido partidário do termo. Macron é um banqueiro neoliberal, “agente do sistema capitalista”. Em termos de postura política e posicionamento, ele e o atual presidente do Brasil estão no mesmo polo de atuação. Só que em posições distintas: Macron faz parte do sistema financeiro internacional como líder de um país recebedor de recursos e insumos econômicos de países fornecedores, como o nosso.

 

Há poucos anos, houve uma tentativa de mudar a nossa posição dentro desta lógica, fortalecendo nosso mercado interno, ampliando nossa atuação em campos de pesquisa, ciência e tecnologia, para que pudéssemos nos deslocar de polo fornecedor para polo receptor. Resultou na nossa atual situação de penúria material e moral. Não foi a primeira vez que isso aconteceu. No início da década de 1960, após um governo conservador encerrar com a renúncia de Jânio Quadros – eleito de forma avassaladora como alguém que ia encerrar a política tradicional e varrer a corrupção – houve tentativa de mudança de polo no cenário internacional. Significava então – e significa hoje – mudar o alinhamento do Brasil no cenário mundial. Se aproximar de outros países, como Rússia, China, Índia, procurando livrar-se de relações viciadas há séculos. Mas não. Tivemos a ditadura civil-militar em 1964, que “recolocou o país nos trilhos”.

 

O atual presidente brasileiro é um homem de modos rudes. Ele espelha muitos de seus eleitores, que confundem esta característica com autenticidade e simplicidade. Quando tal traço de caráter é manipulado por uma eficiente estratégia midiática, a combinação pode confundir muitas pessoas de boa fé e desesperadas por mudanças. Dentro deste pacote temerário de conduta política, está a falta de educação. E isso inclui desde se deixar fotografar numa reunião ministerial usando uma camisa de clube de futebol a, vejamos, ofender uma senhora.

 

Sabemos que os eleitores do presidente atual ofendem mulheres, não só senhoras. Lembro de ir a um show do Iron Maiden há alguns anos e o público sair do antigo HSBC Arena aos brados de “hei, Dilma, vai tomar no c…”. Era este o “grito de guerra” na Copa do Mundo de 2014, sempre que a ex-Presidenta adentrava os estádios de futebol para assistir a uma partida. Dilma é uma senhora, mãe, avó, sentiu na pele a falta de educação, o machismo e a crueldade que são disfarçadas como “irreverência”. Se relativizarmos a situação, a primeira-dama francesa, do alto de seus 66 anos de idade, se beneficia da mesma lógica, ao ter uma vida matrimonial com um homem de 41 anos, enquanto a esposa do atual presidente brasileiro teria que viver ao lado de um senhor de 64 anos. Os números não mentem e são frios, diria o matemático. De qualquer forma, ver funcionários do governo brasileiro chamando o mandatário francês de “calhorda oportunista”, como fez o atual ministro da educação, além do próprio comentário do presidente sobre a “covardia” de comparar as duas mulheres, é algo, repito, inadmissível. Sobre o ministro da educação, é bom lembrar que o mesmo foi visto há algum tempo, dizendo que os índios roubaram o país. É portanto, alguém que sabe manejar a falta de lógica no discurso quando lhe convém.

 

A democracia nos obriga a aceitar a ideia de que somos representados por este homem. Eu me dou ao direito de dizer “não” a esta regra, uma vez que o faço por meio igualmente democrático. Fui criado por mulheres, idosas, negras, lindas, cada uma à sua maneira e todas por serem seres humanos generosos, inteligentes, afetuosos. Brigitte Macron, que é professora e seu marido, Emmanuel, presidente da França, terra em que aconteceram fatos históricos que são importantes até hoje na nossa vida, não merecem tratamento semelhante. Espero que eles percebam que este homem não representa a totalidade da população brasileira. Que aqui não é uma terra de gente assim, sem qualquer educação. Espero, mas confesso ser muito difícil.

 

Em tempo: Célula Pop é um site de cultura pop mas esta coluna é um espaço em que há flexibilidade para falar de vários outros assuntos. Acho importante pensar que a pessoa pode se interessar pelos novos discos e pelo que vai na nossa vida cotidiana. Certo?

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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