A juventude abraça Prefab Sprout
Não tem muito tempo a gente escreveu um texto falando sobre a excelência musical do Prefab Sprout, grupo inglês que iniciou sua carreira na virada dos anos 1970/80 e, em 1985, lançou um álbum soberbo, chamado “Steve McQueen” (nos Estados Unidos ele se chamou “Two Wheels Good” por questões legais). Paddy McAloon, líder do grupo, continua ativo, ainda que completamente fora dos holofotes da mídia, e sua banda serve como inspiração para poucos e bons artistas que pensam em fazer música com polidez, refinamento e belezura ímpares. Sendo assim, resolvemos dar uma peneirada na produção pop atual e descobrimos três boas opções de seguidores da sonoridade sproutiana, com a ajudinha de um amigo do site, Antônio Carlos Miguel, admirador da banda desde seu início.
Conversando com o jornalista carioca pelo Facebook, tomei conhecimento da existência do segundo álbum da cantora Erin Moran, que tem o pseudônimo de A Girl Called Eddy. Lembro de ouvir falar da banda/artista em algum lugar do início dos anos 2000, quando A Girl Called Eddy surgiu e lançou um disco homônimo, o qual, confesso, não ouvi. Pois Antônio Carlos Miguel lembrou dia desses que Erin havia, finalmente, lançado um novo trabalho usando o mesmo pseudônimo, intitulado “Been Around”. Fui ouvir e … não pude acreditar no que saía dos fones de ouvido. Mais do que a influência pelo pop dourado e perfeito como um todo – Carole King, Burt Bacharach e até tinturas de Steely Dan – a música de A Girl/Erin é totalmente tributária da excelência do Prefab Sprout, especialmente no veludo sonoro da produção e no extremo bom gosto dos arranjos. É desses discos que ouvimos em busca de algum defeito, algum cochilo e … nada. O resultado é não menos que um tipo específico de perfeição auricular, que conforta, acarinha e dá esperança.
Mesmo que o novo disco de A Girl Called Eddy seja encorajador e aponte para a influência da sonoridade sproutiana, é bom lembrarmos que ela é uma artista, digamos, mais veterana, que iniciou sua carreira há quase vinte anos. Há, no entanto, alguns artistas “atuais”, que estão descobrindo a beleza das canções do Prefab Sprout e se apropriando de seus arranjos e detalhes. A cantora americana, de ascendência filipina, Melina Duterte, que canta com o nome Jay Som, lançou um álbum em 2019 chamado “Anak No” (que a gente resenhou aqui), no qual pega emprestadas influências de New Radicals (um projeto do fim dos anos 1990, já bastante devedor do Prefab Sprout), Cocteau Twins e, claro, Prefab Sprout. É surpreendente porque Jay Som não se restringe a beber apenas desta fonte do pop mais clássico, ela incorpora estes detalhes e informações e as joga numa música inegavelmente 2020, independente e feita em casa. Ainda que não haja o espírito indescritível de uma banda em ação, a unidade que a menina confere às canções é admirável. Ouça, por exemplo, “Tenderness” e entenda do que estou falando.
A última declaração de amor ao grupo inglês surgiu na forma de um EP, gravado por Wild Nothing, pseudônimo de Jack Tatum. O músico americano já tem uma carreira solidificada no terreno indie desde o início dos anos 2010, quando surgiu com o primeiro disco, “Gemini”. Ainda que tenha sempre primado por uma sonoridade próxima do que se entende por “dream pop”, ou seja, uma música com atenção às melodias, aos arranjos delicados e alguma participação de cordas/teclados, Jack nunca fez nada tão escancaradamente próximo do som sproutiano como “Laughing Gas”, o tal EP, que ele lançou há poucos dias. São 20 minutos e cinco canções que não deixam qualquer dúvida. “Sleight Of Hand” e “Foyer” são exemplos de uma quase homenagem estética, mais até do que influência. O EP é, certamente, um dos momentos mais interessantes da carreira de Jack/Wild e aponta para novas direções em sua música, algo que iremos aguardar para conferir.
Sabemos que são apenas três lançamentos, mas, convenhamos, a sonoridade do Prefab Sprout – um dos tesouros ainda escondidos da música pop – é fonte inequívoca de inspiração e pode render belíssimas criações. Isso, claro, levando em conta que Paddy McAloon pode sair de seu esconderijo e ainda gravar algum disco de inéditas. Já pensou? Enquanto isso, vamos ficar com esta interessante onda – ainda pequena – de gente se influenciando pelo som dourado e polido do Prefab Sprout.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Foi maravilhoso conhecer essas músicas fantásticas ao mesmo tempo que se tornaram a trilha perfeita para um momento especial e turbulento da minha vida. Obrigado, CEL!
Por nada, meu caro. Estamos aí.