A gente tem que gostar da Luisa Sonza?

 

 

 

Luisa Sonza – Escândalo Íntimo
61′, 18 faixas
(Sony)

1.5 out of 5 stars (1,5 / 5)

 

 

 

 

 

 

 

Há pouco tempo fizemos a resenha do novo disco de Jão, “Super”, com uma cotação de quatro estrelas. E cravamos: Jão é o maior popstar do país. Daí, cerca de quinze dias depois, chega Luísa Sonza, lançando um álbum “confessional” e “autobiográfico”, intitulado “Escândalo Íntimo” e clamando por uma chance nesta disputa. Bem, se formos comparar a qualidade, as circunstâncias e o resultado de ambos os álbuns, ainda ficamos com Jão. Há, no entanto, uma grande diferença entre os trabalhos: enquanto Jão tem a manha para transitar com desenvoltura por vários setores do pop possível atualmente, narrando suas vivências de uma forma que parece espontânea, Luísa parece precisar de ajuda, projeto, narrativa e vários elementos extra-música para chegar lá. Não que isso seja problema, porque, os fãs que irão aplaudir/execrar o disco, não são pautados pela habilidade musical, existente ou não. Eles o farão pelo kit de narrativa/marketing/produto que lhes for oferecido e, neste caso, a estética, a atitude, o movimento, o jeito de corpo propostos por Luísa atendem a esta demanda. Vendendo a narrativa do amadurecimento e superação após porradas da vida, a cantora e compositora gaúcha abre as portas para quem quiser entrar nessa. E não é pouca gente.

 

 

Qual é o problema, então? Bem, ainda prefiro entender os discos como algo mais espontâneo do que este “Escândalo Íntimo”. Tudo, todos os movimentos, ações, escolhas, composições, nada é espontâneo. Vejo reuniões de marketing extensas procurando traçar as estratégias para fazer as canções do álbum grudarem nas mentes dos ouvintes. Vejo escolhas visando chocar e atiçar crenças e descrenças a partir de, por exemplo, o lançamento do clipe de “Campo de Morango”, clipe e música, hipersexualizados e feitos para chocar e despertar reações que levaram Luísa ao céu dos gênios da música e da estética contemporâneos no Brasil e ao inferno, literalmente associando os signos visuais do clipe à adoração satânica e demais bobagens. Claro, não se trata nem de um, nem de outro extremo, apenas de uma peça publicitária exagerada, de mau gosto, que, felizmente, não dura mais que dois minutos (o clipe, pois a música só dura 1:16min).

 

 

E as canções? Bem, vamos lá. Elas são ruins, quase em sua totalidade. Luísa, ao contrário do que pensam, não canta bem. Ela pode ter boa voz – algo completamente diferente de saber usá-la. A produção soterra seu registro em efeitos, mas isso não é o maior problema. Ela parece cantar um pouco abaixo das 33 rotações por minuto, soa embolada, lenta, nem gíria, nem style, meio babytalking, algo que acaba suscitando o sono, após exposição prolongada. As faixas são todas assinadaspor Sonza e pelos produtores, além de participantes do álbum. E este time de “feats” é bem extenso e diverso, trazendo desde a americana Demi Lovato à dupla sertaneja Maiara e Maraísa, passando por Baco Exú do Blues, Marina Sena e Duda Beat. Ou seja, é mais um evento, um happening. E nada contra, mas também, nada a favor.

 

 

Há uma preocupação constante em fazer Luísa soar esclarecida, respaldada intelectualmente, seja por referências musicais – Cazuza, Chico Buarque etc – seja por posturas mais maduras, de acordo com o conceito do álbum. Algumas canções comprovam isso, geralmente buscando ampliar o espectro sonoro dela para além do funk e do pop mais corriqueiro. “Surreal”, por exemplo, é um meio blues eletrônico, que menciona “relógios de Dali” num verso, com participação de Baco Exú do Blues, ambos cantando sob toneladas de efeitos e com o jeito irritante de pronunciar as palavras, ao qual nos referimos acima. A tal faixa com Demi Lovato, “Penhasco2”, é uma balada convencional, prejudicada pela voz gasguita de Sonza, e por Lovato cantá-la num português com sotaque pesada, que torna o resultado involuntariamente caricato. Tem “Ana Maria”, que traz Duda Beat, um eletropop simpático e simples, que funciona bem, mas tem “Carnificina”, que surge como uma canção soturna e noturna, que parece durar bem mais que os dois minutos e vinte que o relógio insiste em mostrar. “Dona Aranha” é um pouco melhor, mas, novamente, a voz de Luísa é um grande problema a ser enfrentado na audição. Melhor ficar com “Luisa Manequim”, que tem o melhor uso de sample do álbum, a da canção homônima, composta e gravada por Abílio Manoel, em 1972. Aliás, se há algo bem feito pela produção do álbum é apresentar esta canção – um autêntico samba-rock – a uma audiência que jamais a ouviria fora desse contexto.

 

 

No fim das contas, “Escândalo Íntimo” é tatibitati ao falar de temas tão sérios como os que propõe – violência, relacionamento abusivo, sofrimento, dor. É anabolizado, forçado, artificial e estratégico, pensado, meticulosamente pensado. É uma campanha de marketing. E de gosto muito duvidoso. Se é a tua, caia dentro.

 

 

Ouça primeiro: “Ana Maria”, “Luisa Manequim”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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