Moreno Veloso em dez pequenas e belas canções

 

 

 

 

 

Moreno Veloso – Mundo Paralelo
33′, 10 faixas
(Banguela)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

 

Aqui vai um pequeno exercício de lógica: se há um monte de cantores e compositores brasileiros em atividade, muito, pouco ou relativamente influenciados pela música de Caetano Veloso, por que diabos seu próprio filho, Moreno, não haveria de ser? Pois é isso mesmo. “Mundo Paralelo”, novo trabalho do primogênito de Caetano é um belo álbum, moderno e vistoso, sem perder de vista uma tradição oral da música “popular” brasileira dos anos 1970. É elegante, bem gravado e tocado, que reafirma/relembra o público da faceta artística de seu autor, que já está em atividade há mais de vinte anos. Só para termos uma ideia de como o tempo corre em modo alternativo por aqui: Moreno tem 51 anos, seu último trabalho, “Coisa Boa”, saiu em 2014. Descontando a sua participação das turnês que deram forma ao álbum “Ofertório”, com pai e irmãos, Moreno é daquelas pessoas que estão e não estão, tamanha sua discrição, sua elegância. E no novo trabalho não é diferente.

 

Um detalhe importante em “Mundo Paralelo” é como ele soa delicado e silencioso. As influências são fortes, visíveis, mas as canções, os arranjos, tudo soa à meia-voz, sutil, até mesmo frágil e isso dá um verniz especial ao que se ouve. Todo gravado em estúdios caseiros entre Lisboa e Rio de Janeiro e contando com a participação de amigos e familiares, o álbum ficou dois anos em construção. Sua feitura tem muito a ver, como sempre, com ajuda dos amigos e parceiros sendo o núcleo principal o estúdio Cave, que ficava no porão da casa do Domenico Lancellotti em Lisboa e que serviu como ponto de encontro para iniciar os trabalhos de gravação com Ricardo Dias Gomes, Rodrigo Bartolo e Pedro Sá. Daí vieram seis das dez bases gravadas para o disco. Mais tarde, já no Rio, outros músicos participaram do processo, num time que incluiu, entre outros, Jaques Morelenbaum, Kassin e Alberto Continentino.

 

Desde os tempos do +2, coletivo que firmou com Kassin e Domenico, Moreno aliou tradição e modernidade à sua música. Esse desejo modificou-se com o tempo, concedendo mais espaço para a tradição do que para a urgência dos dias, ainda que, de algum modo, as escolhas de repertório, a opção pela delicadeza e pela tapeçaria que emoldura os arranjos talvez signifiquem, ao menos, um desejo de não compactuar com o excessivo barulho do mundo de hoje. Dentro dessa lógica, as dez faixas que Moreno apresenta em “Mundo Paralelo” são variações dessas camadas de silêncio, de sons mais baixos, mais exigentes em relação à quantidade de atenção que o ouvinte precisa dedicar para compreendê-los. Isso acontece logo de cara, com a ótima faixa-título, que tem percussões baianas, letra sobre o Ilê Ayê e a própria história do bloco afro-baiano. Em meio à voz de grave de Tiganá Santana e os efeitos que vão surgindo e mesmo ao ambiente de celebração que a letra ergue, Moreno – que começou cantando sobre o bloco ainda criança num disco do pai – empresta o lugar de espectador da festa popular, um espectador entre o distante e o próximo, algo bem preciso e belo.

 

As escolhas e histórias pro trás das canções só confirma o que dissemos até aqui. Enquanto em “Um Dois e Já”, Moreno exercita sutilezas de inspiração japonesa e influências do Mali com imagens e sons, a presença da cantora Nina Becker nos vocais e a percussão de Stephane Sanjuan levam a canção para outros lugares ainda mais exóticos. A bela “Bailando”, originalmente composta por Piero Piccioni, surge como uma versão em espanhol de Bruno Di Lullo e do próprio Moreno, composta num dia de saudade dos filhos em uma distante Alemanha, em meio ao Dia dos Pais. O resultado lembra demais o que Caetano Veloso fez com canções latinas em “Fina Estampa”, há trinta anos. Outro destaque inegável é a ótima “A Donzela Se Casou”, que surgiu em meio aos shows de “Ofertório” e conta com a presença de seus irmãos Zeca e Tom, seu pai Caetano e sua tia, Maria Bethânia, num resultado que lembra os grandes sambas pop do início dos anos 1980, como “Alguém Me Avisou” ou “Sonho Meu”. No fim do percurso sonoro, “Deixe Estar”, canção de Marina Lima e Antônio Cícero, que fez parte do álbum “Pierrô do Brasil”, lançado pela cantora em 1998.

 

Se habitar um espaço em que não precisamos de mil artefatos midiáticos, amplificantes e hiperbólicos significa estar num “mundo paralelo”, este álbum de Moreno Veloso traz seu conteúdo como valiosa metáfora e simpático conselho sobre prestar mais atenção na delicadeza, no pouco óbvio e no silencioso para perceber nele, quem sabe, uma paz verdadeira, cheia de belezura. Tente.

 

 

Ouça primeiro: “Mundo Paralelo”, “A Donzela Se Casou”, “Bailando”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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