A agressão cotidiana do neoliberalismo
O neoliberalismo é uma modalidade de capitalismo extremamente agressiva. Teve seu berço nos anos 1970 e foi adotado como modus operandi na década seguinte, por Estados Unidos e Inglaterra, espalhando-se para o mundo a partir do fim dos regimes socialistas europeus, no fim dos anos 1980.
Basicamente, é a economia livre da presença estatal. Isso significa, em diferentes gradações, o fim das empresas públicas, do ensino público gratuito, da saúde pública gratuita, das subvenções estatais de combustíveis e energia elétrica, enfim, a presença do setor privado controlando tudo o que acontece na vida econômica de um país. Se a sociedade é igualitária, com pouca ou nenhuma diferença entre os cidadãos, em termos de acesso a bens materiais, o neoliberalismo pode até funcionar. Mas, me diga: qual sociedade é assim no planeta?
Se a gente lembrar, o mundo ocidental fez sua revolução industrial em meados do século 18. Antes disso, o feudalismo era o sistema que reinava nas sociedades europeias, regidas por monarquias religiosas, baseadas na concentração de metais preciosos e profunda, imensa desigualdade. Com a revolução industrial, veio o capitalismo, ou seja, a burguesia emergente passou a deter os meios de produção e concentrar capital. As monarquias duraram pouco e, já no século 19, as sociedades ocidentais eram capitalistas. Mas a desigualdade não foi resolvida: empresários, banqueiros, donos de terras concentravam o dinheiro e os trabalhadores, desassistidos e sem direitos, empreendiam jornadas de 20 horas para poder receber míseros pagamentos.
No século 20 houve um avanço, especialmente a partir da crise capitalista de 1929: o estado de bem estar social, que ganhou força após a Segunda Guerra Mundial. Basicamente era um capitalismo assistido, com a presença estatal nos setores-chave da economia. Energia, saúde, educação eram públicos e gratuitos. Isso, claro, nos países desenvolvidos, especialmente os da Escandinávia e Europa Ocidental. Sempre que se tentou implantar alguma política do estado de bem estar social fora deste recorte geográfico, a lógica do capital se impôs e os fracassos aconteceram.
O último deles foi, justamente, aqui no Brasil, com os governos petistas.
Bolsa Família, Luz Para Todos, Minha Casa Minha Vida, Regimes de Cotas, eram algumas das medidas estatais para facilitar o acesso das camadas mais empobrecidas a bens e condições sociais mínimas para poderem ter alguma chance de existência digna. A Bolívia, que sofreu um golpe de estado há poucos dias, também conseguiu fazer algo semelhante.
Mas, se isso é bom, por que acaba? Por que essas sociedades que, conseguem melhorias, acabam sofrendo um revés político como o nosso, em 2016 e os bolivianos, agora?
Simples. Porque estas medidas visam acabar com décadas, séculos de desigualdade social. É histórico e está documentado, portanto, não se trata de intriga ou fomento de uma ideologia em detrimento de outra. Se você deseja um mundo com menos desigualdade, não há como fugir deste pequeno recorte histórico.
Só que, claro, não é tão simples. O neoliberalismo tem uma rede de segurança, chamada sistema financeiro internacional. Pense bem: é possível não ter uma conta bancária hoje em dia? Não. Tudo é feito para que você precise firmar compromisso com um banco. Como estamos numa sociedade neoliberal, que tipo de banco será privilegiado? O privado, claro. E esta instituição gerará lucros para quem? Para seus donos, que não têm qualquer compromisso para com o estado, certo? Então, tal lucro não será investido aqui, gerando mais e mais desigualdade. E quem gerou esses lucros? Nós, usuários do banco. Este é apenas um exemplo ilustrativo.
Vejamos outro: o que pode impedir ou mudar esta lógica? Pessoas que saibam da existência dela, certo? Quem descobrir que o sistema é injusto e se alimenta da desigualdade, pode, quem sabe, querer mudá-lo. E como faremos isso? Com conhecimento, informação. Sim, mas, e se as escolas e universidades estiverem sob esta mesma lógica? E a mídia, se estiver dentro deste mesmo contexto? Porque escolas, universidades e meios de comunicação existem para que nos informemos e moldemos nosso caráter. Se eles estiverem cooptados, como poderemos confiar no que é transmitido? E se, ao contrário de dizer que as monarquias eram sistemas que se alimentavam da desigualdade, for dito que elas eram uma forma de governo em que os reis e rainhas se vestiam com luxo, com beleza, que moravam em castelos opulentos e tinham criados e tudo mais? E se o velho filme de bangue-bangue mostrar a cavalaria americana só com sujeitos bonitos e louros, combatendo índios maus e feiosos? Sim, o sistema está em toda parte.
Conhecimento é peça chave para modificar as coisas. Se você impede ou dificulta o acesso das pessoas a ele, como elas poderão significar algum risco para o que aí está? Melhor tornar quase impossível o acesso à educação de qualidade, não? Melhor pensar em atrações televisivas que ressaltem o mal ou invés do bem, correto? Melhor mostrar que escolas e universidades públicas não funcionam, que sofrem com greves, que os alunos são indisciplinados. Tudo isso em telejornais e novelas que glamurizam a diferença, que fomentam o orgulho de ser desprivilegiado. Está tudo errado.
O neoliberalismo, através de seus braços, quer fazer com que as pessoas creiam que os responsáveis pela penúria e o empobrecimento que a sociedade vem passando, tem origem, justamente, nas políticas de inclusão social de minorias. Querem fazer as pessoas acreditarem que negros, LGBTQ+, idosos, aposentados, mulheres, desempregados, todos estes são os responsáveis pela pobreza quando, na verdade, é o próprio sistema que precisa dela para poder continuar alimentado os privilegiados de benesses e tornando-os mais e mais ricos o tempo todo. Quem souber desta cadeia de eventos, instantaneamente, torna-se comunista, socialista, vagabundo, petista e outros eufemismos para … esclarecido/a.
Decidi escrever este texto com o mínimo possível de teoria e o máximo de prática e eventos cotidianos. Não desprezamos a cultura pop, criada, em sua maioria, pelo capitalismo. E nem somos comunistas, mas somos, sim, defensores de tentativas que diminuam e encerrem a desigualdade no mundo. O resto é o resto, ou seja, gente rica e/ou burra com medo de perder seus privilégios. Um dia, qu em sabe, ainda falo sobre outras duas ferramentas de manutenção dessa lógica: a religião e os coaches. Mas aí fica pra outro texto.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
QUE ÓTIMO TEXTO!
Muito bom texto!