The Neighbourhood – Chip Chrome and The Mono-Tones
Gênero: Rock alternativo
Duração: 31 min.
Faixas: 11
Produção: Jesse Rutherford
Gravadora: Columbia
Engraçado que um disco do The Neighbourhood, uma banda mediana, que faz música “indie” meio vagabunda, me faça pensar em Zygmunt Bauman. Mas é, estou pensando no finado sociólogo polonês, especialmente no que ele dizia sobre o derretimento da solidez no mundo contemporâneo. Bauman falava da liquidez das coisas, do amor, da vida, das pessoas e, claro, das artes e manifestações culturais. Pois este “Chip Chrome And The Mono-Tones” é um álbum líquido. Em sua existência não há fronteiras ou pudor para misturar David Bowie com Justin Timberlake. Flaming Lips com Fleetwood Mac. Beck com Electric Light Orchestra e por aí vai. Ao contrário do que parece, há fluência em todas as faixas, há bom senso em não alongar a duração do álbum além da meia hora e, mais que tudo, há ótimas canções por aqui. E tem um fiapo de conceito: Jesse Rutherford, vocalista da banda, está cansado das cobranças que o sucesso impõe. A solução? Sair de cena e deixar uma “persona” tomar seu lugar. E o da banda também, por que não? Sendo assim, cá está Chip Chrome e seus Mono-Tones, deslavadamente inspirados em Ziggy Stardust, brincando com a gente e impressionando seus fãs que chegaram ontem nessa coisa de ouvir música. É assim mesmo, gente, nada se cria, tudo se copia.
Mesmo que soe pueril, é autêntica a postura de Jesse. O cara entrou na onda de um alter-ego e deu a ele o controle criativo da banda. Sendo assim, é Chip que está no comando e ele, ora bolas, tem talento. Forjou esse clima de derretimento das fronteiras entre gêneros e influências, misturou tudo numa massaroca sonora de caráter ilibado e mandou o disco pro ar. Não dá pra ignorar as ótimas sacadas presentes aqui, seja nas boas misturas, seja na excelência das composições, naquela onda de “caramba, não tem música ruim neste disco, vamos ouvir até achar”. Pois bem, já estou em várias audições e nenhuma canção se apresenta como fraca. Todas têm boas melodias, os arranjos são enxutos e criativos, Jesse tem boa voz e a banda tem rodagem suficiente para suportar este trabalho em que há um nítido desejo de abraçar mais e mais detalhes. O The Neighbourhood cresceu e espera o mesmo dos fãs. Se é gente que vai lamentar pelas canções do passado da banda, talvez este disco não seja o mais indicado.
Sim, porque, é o proverbial “oto patamá” que Jesse e sua turma alcançam aqui. De cara, uma introdução de meio minuto em tom de disco voador-experiência de cientista louco dá o tom da esquisitice. Em seguida, sem muito tempo para respirar, entra uma assombrosa “Petty Boy”, em que há uma mistureba de batidas marcadas, linha de baixo correta e um impressionante efeito de teclados e guitarras minimalistas, que soam como ecos de algum arranjo easy listening dos anos 1960. Já foi o suficiente para os ouvidos pararem de prestar atenção no resto e cravar na canção. Em seguida, vem “Lost In Translation”, uma mistura que exala soul music, Flaming Lips e, sei lá, NSYNC em doses iguais, tudo contido em um arranjo espacial e animadinho. “Devil’s Advocate” é a faixa que Beck nunca gravou, mas poderia ter colocado em seu disco “Mellow Gold”, de 1994.
Tem country espacial em “Hell Or High Water”, tem ecos de balada oitentista da Electric Light Orchestra em “Cherry Flavour”, tem uma vinheta que poderia ser uma gravação caseira dos New Kids On The Block na Vila Sésamo em “The Mono-Tones”. A canção menos legal do álbum chega em “BooHoo”, mas que traz uma boa batida moderninha e vocais em falsete, lembrando, na lógica das misturebas, um Michael Jackson revisitado para os anos 2020, embebido em programações de r&b atuais. Em seguida surge “Silver Lining”, uma gloriosa volta no parque do Fleetwood Mac fase Califórnia, 1979. “Tobacco Sunburst” é uma baladaça com voz e violão, meio atmosférica, meio chapada, abrindo espaço para “Middle Of Somewhere”, um aceno ao David Bowie que habita em cada um de nós.
“Chip Chrome and The Mono-Tones” é uma lindeza inesperada, um disco maduro e surpreendente, que persegue um objetivo artístico e estético e o atinge, sem frescuras ou dificuldades no percurso. É um equivalente sonoro a uma bolota, salgado típico de Niterói, no qual se mistura vários recheios numa massa deliciosa e se serve ao felizardo comensal. Ouça, é bom.
Ouça primeiro: “Pretty Boy”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.