St.Vincent segue arrasadora em novo álbum

 

 

 

St.Vincent – All Born Screaming
41′, 10 faixas
(Total Preasure)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

 

Em 2021 St. Vincent ganhou o Grammy de Melhor Álbum Alternativo por “Daddy’s Home” (que a gente resenhou aqui). Este foi um trabalho em que ela procurou trazer toda a força de sua música para o foco da lembrança de momentos do passado, especialmente de sua adolescência, revisitando-os em forma de canções confessionais em que a angústia e a confusão davam a tônica. Apenas pense: o título do álbum alude à soltura de seu pai, que ficou preso por anos devido a fraudes aplicadas por ele na Bolsa de Valores e como isso afetou – perda e reencontro – o relacionamento do dois. O resultado foi um disco exuberante, ainda que atormentado, no qual Annie Clark (o nome por trás da artista) passeou por referências diversas: funk setentista, David Bowie, Pink Floyd, psicodelia, Velvet Underground, glam, tudo fazia parte do álbum. Agora, três anos depois, a bordo deste novo – e igualmente ótimo trabalho, “All Born Screaming”, Annie centra fogo nos anos 1990 e na dificuldade que é viver num mundo como o de hoje.

 

Para dar o tom exato, ela mesma assina a produção. Acostumada a ter gente como Jack Antonoff, David Byrne e John Congleton na pilotagem pregressa do estúdio, Annie se sai muito bem na tarefa de revestir as dez faixas de “All Born Screaming” com um tom entre o desespero e a inconformidade. E se os anos 1990 são o manancial principal de influências, tome grunge, David Bowie, trip hop, Nine Inch Nails e, principalmente, PJ Harvey no tacho para obter essa liga sonora. Ainda que diverso e cheio de surpresas, este novo trabalho tem seu foco mais concentrado na narrativa e na capacidade de surpreender por parte de St.Vincent. As canções são torturadas, reconhecíveis, fortes e, em alguns momentos, podem soar familiares demais – caso, por exemplo, da ótima “Flea”, que é 95% PJ Harvey com 5% de grunge, com direito a participação de Dave Grohl, na maioria das vezes, St. Vincent consegue extrair um “uau, como ela fez isso?” expresso mentalmente enquanto ouvimos as faixas do álbum.

 

Engraçado que a disposição das canções ao longo do álbum acabam formando um bloco coeso e sensacional exatamente entre as faixas três e sete, concentrando aqui os melhores momentos. A impressão é de que foi atirado um tijolo no nosso peito enquanto ouvimos e nos desconcertamos com as canções. “Broken Man”, a faixa três, primeira desse blocão central, parece eletrônica, como um blues minimalista sintético feito por PJ Harvey, mas evolui para uma levada seca mas encharcada de energia funk subentendida, passando a lembrar algo que poderia ser de Prince. É outra faixa em que Grohl participa na bateria. O timbre de guitarra é sensacional e leva ao movimento involuntário, enquanto Annie vai adicionando elementos de percussão, voz e tensão, tudo isso em 3:21 minutos. Em seguida, a já mencionada “Flea”, tem na alternância entre um andamento rock depurado de todos os enfeites possíveis, desembocando num riff tipicamente grunge, mas tudo processado num filtro sonoro que faz soar novo e cativante.

 

Em “Big Time Nothing”, St.Vincent cria uma levada que poderia ser de “Army Of Me”, da Bjork fase 1995, mas que vai evoluindo para um ambiente meio Talking Heads, novamente entre o funk e a disco music reavivada no início dos anos 2000 por bandas como Rapture. A linha de baixo, feita no sintetizador pela própria St. Vincent, é arrebatadora. “Violent Times” é outro momento sensacional que envereda para uma narrativa diferente, com vocais fatais, que poderiam lembrar Annie Lennox, a melodia vai evoluindo para um refrão com metais e andamento contemplativo, rico em climas, que vão sendo construídos. E, fechando esse blocão, “The Power’s Out”, mais próxima de uma deprê trip hop seca, sem batidas, como se fosse uma demo a princípio, mas que vai evoluindo para um terreno de beleza estéril, triste e inevitável, algo que é ampliado pelo uso de cordas e sintetizadores e um lindo solo de guitarra, conferindo mais dimensão aos lamentos.

 

“All Born Screaming” é cheio de camadas e detalhes. Não pode ser ouvido rapidamente, precisa de tempo para mostrar todos os seus segredos e, só então, será possível perceber tudo o que Annie quis dizer com ele. É um discaço, no mesmo nível do ótimo antecessor, e consolida St.Vincent como uma das forças criativas principais do rock mundial.

 

 

Ouça primeiro: “Broken Man”, “Flea”, “Big Time Nothing”, “Violent Times”, “The Power’s Out”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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