Sertanejo in Rio – qual o problema?

 

 

Dia 21 de setembro o Rock In Rio terá o chamado “Dia do Brasil”. Com o patrocínio especial do banco Itaú, o evento receberá dezenas de atrações nacionais, que irão se apresentar em oito palcos temáticos: samba, MPB, bossa nova, música clássica, rap, trap, pop nacional e … sertanejo. Os shows vão acontecer de forma simultânea, com cada palco funcionando ao mesmo tempo. As redes sociais se congestionaram com o anúncio deste dia, especialmente por conta dos sertanejos, que serão representados por Chitãozinho & Xororó, Ana Castela, Junior, Luan Santana e Simone Mendes. Ou seja, está aberto o precedente para que o festival traga shows individuais do estilo em futuras escalações. Sinal dos tempos? Sim.

 

Algumas coisas são curiosas quando o assunto é Rock In Rio. As pessoas realmente acham que o festival, ainda que tenha “rock” no nome, é um evento comprometido com o estilo de forma exclusiva. Claro que artistas de rock dominam as escalações, mas, acima de tudo, o RIR é um evento comprometido com o lucro e a presença de público, e isso, pessoal, só é possível se houver sintonia com o tempo presente. E o Brasil do presente – já há vários anos, é verdade – é isso: comercial, neoliberal, acrítico, superficial, evangélico, conservador. O sertanejo é, há tempos, o estilo musical mais consumido no país, uma música inegavelmente popular. Veja, eu não ouço artistas desse estilo, pelo contrário. Mas o que acontece aqui é uma manifestação do bom e velho preconceito social, uma vez que, atrelados totalmente ao gosto popular, os sertanejos representam uma aproximação perigosíssima com estratos supostamente mais humildes da população, o que também não é totalmente verdadeiro. Achar que os consumidores de sertanejo, funk, trap e outros gêneros “populares” são, necessariamente, “pobres” ou “burros”, é cometer um erro crasso, visto que o alcance deles é total em classes mais abastadas, ainda consumidoras da dieta de entretenimento disponível na TV aberta.

 

Há alguns anos as mídias hegemônicas, rede globo à frente, entenderam que estes estilos musicais populares eram sinônimo de audiência e que estavam perdendo terreno para emissoras e veículos mais sintonizados com este público, SBT à frente. Tal percepção abriu a grade de programação para vários desses artistas, seja em trilhas de novelas, participações em atrações de entretenimento, jornalísticos, programas de variedades. A globo, ainda que tal afirmação seja passível de grandes discussões, não tem compromisso com uma curadoria de estilo ou cultura. Ela, assim como o Rock In Rio, quer faturar e justificar sua permanência no ar. Roberto Medina, criador do festival, e sua filha, Roberta, atual responsável por sua realização, sabem disso, afinal de contas, são pessoas forjadas no marketing mais agressivo. Sendo assim, uma vez que o RIR nunca foi um evento de rock, não há problema nenhum em trazer sertanejos, até porque, o que se entende por este termo técnico, não passa de pop comercial, feito em nível industrial, tendo assuntos e temáticas voltadas para situações banais do cotidiano, entre outras coisas.

 

Outras pessoas poderão dizer: “você foi pago para escrever isso”. Eu, após rir bastante, direi que “não, não fui”. Mas entendo a indignação das pessoas com isso. Se pensarmos no Brasil como um lugar conectado ao mundo, que é cada vez mais moderno, tecnológico, rápido e integrado, não seria sinônimo de atraso consumir – e aceitar – um estilo tão estático como o sertanejo? Porque, se pensarmos na gênese moderna do estilo, consolidada no fim dos anos 1980, via governo collor e inclusão de canções específicas em trilhas sonoras de novelas (de quem? De que rede?), o sertanejo evoluiu dos formatos mais acústicos (violões e vozes) para um tipo de pop de estúdio, cheio de sintetizadores, baterias eletrônicas e outros elementos que “refinaram” suas canções e proporcionaram um banho de loja em seu formato. O resultado é palatável para um público sem referências de timbres, sonoridades e outras instâncias que apenas os entendidos em música mencionariam. É pop de consumo, feito por gente como Ana Castela, que mistura a temática agrária habitual com ritmos como reggaeton, funk e outros. Caso você não tenha ouvido falar dela, Ana rivaliza com Anitta pelo posto de cantora mais ouvida nos streamings, tendo, apenas no Spotify, cerca de 17 milhões de ouvintes mensais regulares.

 

“Mas e o sertanejo do agronegócio?”, “E o nosso rock, como fica?”, “como fica o bom e velho rock?”, “não é possível que isso esteja acontecendo!”. Acreditem, estas mensagens pipocaram ontem nas redes sociais. Vi até um post de um sujeito que, em tom de réquiem, sentenciava a morte do RIR e celebrava ter ido a várias edições, levado sua filha pequena para ouvir o artista X e tal.

 

Ora, se você não concorda, não participe do evento. Não vá. E procure, acima de tudo, ouvir o que te interessa. Se é rock, ficar ouvindo “Californication” e “Wonderwall” para sempre não vai fazer com que as coisas mudem. É preciso conhecer mais artistas, entender como está o rock hoje, 2024, e não como ele era quando o Nirvana lançou “Nevermind” ou quando o Pearl Jam lançou “Vs”. Há bandas interessantíssimas por aí, nós sempre procuramos trazer um monte delas para nossas páginas. Claro que há tempo para ouvir suas canções e artistas preferidos, mas é preciso formar um público com noção, com senso crítico, com argumentos para poder fortalecer. O rock nunca foi algo que representasse consumo automático. Sempre esbarrou em problemas com censura ou se complicou demais para ser compreendido imediatamente. Ouvir música também significa ir a shows menores, sem praça de alimentação, sem roda-gigante, shows em que há apenas a música, o público e o artista. Ainda há vários por aí, a preços acessíveis, mas, se não houver gente indo, até estes eventos cessarão diante do rolo compressor comercial que dá as cartas. E, cá entre nós, sempre deu. Ou você realmente acha que Alceu Valença, Al Jarreau, James Taylor eram roqueiros pesados em 1985?

 

O mundo muda. Aceite e mude também. Só assim teremos chance. E fica aqui o meu desejo bom RIR pra quem vai e pra quem cobre. Sim, porque o evento deixa de fazer parte do escopo da Célula Pop e não será mencionado por aqui, a menos que um OVNI pouse no palco.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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