Céu que segue sem limites

 

 

 

 

Céu – Novela
39′, 12 faixas
(Urban Jungle)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

Céu é danada. Parece incapaz de fazer um disco ruim. Sua carreira já tem dezesseis anos, representados em nove álbuns – contando com este novíssimo “Novela” – não tem baixo detectável. Ela sempre pareceu ciente dos passos que daria em cada álbum gravado, tudo funcionando e contribuindo para consolidar seu nome como uma das artistas brasileiras mais importantes e influentes do nosso tempo. Um sem-número de cantoras deve tudo em termos de estilo à ela. E Céu, que não parece se importar com isso, atinge aquele patamar em que o artista tem sua marca sonora facilmente detectada, logo no primeiro acorde, sem que isso signifique repetição, acomodação ou algo do gênero. Céu tem seu estilo e vive nele, expandindo lenta e constantemente seus limites estéticos. Já gravou disco ao vivo, já fez cover de Baby Consuelo, gravou álbum inspirada nos filhos, já fez um trabalho inteiro de versões, já fez álbum acústico, enfim, tudo sem deixar de soar inequivocamente como Céu. Agora, com este ótimo “Novela”, não seria diferente. É um álbum meticuloso e belo, cheio de ótimas canções.

 

Céu e Pupillo, seu marido e produtor, foram até Los Angeles dar forma a “Novella” e tiveram a presença de Adrian Younge, multiprodutor americano, na produção e integrando o time básico de músicos do trabalho. Sim, porque a maioria das doze faixas de “Novela” têm Younge (teclados, piano, órgão, baixo e vibrafone), Pupillo (bateria e percussão) e Lucas Martins (baixo, violão e guitarra) encarregados das molduras sonoras e arranjos. Há uma mudança significativa na sonoridade deste
Novela” se o compararmos aos trabalhos mais recentes de Céu: “Tropix” (2016), “Apká” (2019) e “Um Gosto de Sol” (2021): enquanto estes baseiam seu som em uma certa abordagem eletrônica, leve, sutil, aqui Céu abre espaço para a música mais orgânica, tocada ao vivo no estúdio e derivada das vivências pessoais. O resultado é muito bom e confere às faixas do álbum uma grande coesão. A impressão que temos é de ouvir um monte de canções já conhecidas, que vivem num universo alternativo em que estamos em 1978, ouvindo uma estação de rádio imaginária, mas muito familiar.

 

Quatro faixas se destacam do todo. “Raiou”, “Cremosa”, “Crushinho” e “Into My Novela”. E como Céu tem o hábito de fazer comentários em estilo “faixa-a-faixa”, deixamos a palavra com ela e reproduzimos abaixo suas considerações pessoais, diretamente do site da Revista Noise, no qual você pode conferir neste link aqui.

 

“Raiou”: Essa canção fala de encorajamento, de sair fora do roteiro que querem te dar e seguir o roteiro do seu coração. O feat com a Ladybug é um marco para mim porque acho ela um ícone do rap. Ter o Antonio Neves, primeira vez como parceiro, foi incrível também, ele é um cara que admiro demais, um multi musicista brilhante.

 

“Cremosa”: Essa faixa fala sobre o quanto nós, mulheres, somos capazes de viver em estado mais líquido, nos moldar para entender, acolher e unir coisas que estavam separadas como se fossemos um recheio de um bolo mesmo. É uma analogia, somos um creme em ponto pérola! Mas pra isso, tem que tratar “mais que bem” como brinco na música. Além disso, nem sempre queremos. Risos.

 

“Gerando na Alta”: Fala sobre a força de uma amizade feminina, que nos levanta de qualquer buraco. Como é bom falar, fofocar, ou melhor, botar em prática as “crônicas de costumes”, como uma amiga diz. Às vezes estamos gerando na alta com uma grande decepção amorosa ou profissional, porque queremos vingança de algo, ou estamos nos sentindo tristes ou sozinhas. Nada como encontrar uma grande comadre para sair dos buracos e dar risada.

 

“Crushinho”: Essa é uma música leve, que fala de amor, de quando a paixão esbarra com implicância, mas na verdade é só mais um prima de amor.

 

“Into My Novela”: Um convite pro crush entrar no roteiro da minha novela, mas com minhas regras. Fala sobre formas mais respeitosas de amar. Eu tenho uma filha de 15 anos, discorremos muito sobre esses assuntos, e, de repente, surge esse groove, onde canto em inglês/português. Chamei o Loren Oden pra aprender a decifrar o canto de um passarinho brasileiro como regra, pra entrar na minha novela. São formas de falar de espaços e amor. Aquele romance cafona.

 

“Mucho Ôro”: Essa é mais uma de amor, do quanto nos emocionamos quando somos incentivadas a ser nós mesmas, a brilhar. Quando não há medo nisso, parece pouco, mas é taaanto.

 

“High na Cachu”: Essa faixa é sobre cohabitar e confluir com a natureza. Sobre a potência de se conectar com o espírito da natureza e atingir uma elevação espiritual. Sobre ser parte, ser mais um a serviço de algo mais harmonioso. Com ou sem aditivos naturais.

 

“Buá Buá”: Música com Frankie Reyes, artista que eu me tornei fã durante a pandemia, ao conhecer seu trabalho na trilha sonora de Malcolm & Marie (2021). Me viciei no seu disco Boleros, Valses y Mas (2016), estava crente que ele era um senhorzinho mexicano, e me deparei com uma artista novo, disruptivo, que toca tudo digitalmente. Foi simplesmente sensacional esse encontro, no estúdio, e a canção, abolerada e sombria, que fala de uma certa dor de cotovelo bem novelesca “chora, pois nada do que você comer, te saciará, agora só te resta fazer buá buá”.

 

“Vinheta Dorival II”: Expresso minha paixão por Dorival Caymmi com essa melodia e poesia bem “Caymminiana”.

 

“Lustrando Estrela”: Uma canção que fala sobre cuidarmos do que nos faz sonhar, do que nos alimenta. Cuidarmos e irmos atrás da nossa estrela. Todo mundo tem a sua estrela. Como fazer isso, quando temos tanta coisa pra dar conta, cuidar, tantos B.Os? Passei por desafios pessoais, muitas turbulências que me afetaram profundamente. Quase “morro na praia” e, dar conta de tudo isso me fez escrever essa canção.

 

“Corpo e Colo”: Poesia direto do coração do grande artista e cancioneiro Nando Reis. Essa música é linda, simples e inspirada no pastor Kleber Lucas. Uma parceria deles, Nando me ofereceu e eu achei linda. Amor rasgado.

 

“Reescreve”: Quando eu tinha meus 13 anos, estudava os livros de História do Brasil, e costumava riscar as páginas com um enorme: TUDO MENTIRA. “Reescreve” é sobre descolonizar e resgatar saberes ancestrais. Uma honra imensa ter uma canção com o mestre Marcos Valle, nem no meu maior sonho imaginei que isso aconteceria.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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