The Jesus And Mary Chain ao vivo não tem erro

 

 

 

 

The Jesus And Mary Chain – Sunset 666
73′, 17 faixas
(Cooking Vinyl)

5 out of 5 stars (5 / 5)

 

 

 

 

 

A esta altura do campeonato, além dos cinquenta, meio de saco cheio e pouco afeito à socialização em geral, posso dizer uma coisa: são poucos, pouquíssimos shows que me fariam sair do lar para enfrentar o rosário de intempéries – condução caótica, locais lotados, gente inconveniente – inevitáveis aos espetáculos em geral. Repito: poucos mesmo. Uma apresentação do Jesus And Mary Chain, no entanto, me faria, não só comparecer, como até viajar para uma distância próxima, seja a Barra da Tijuca, seja, sei lá, São Paulo (lembrem-se, moro na sensacional cidade de Niterói, no Grande Rio). A banda dos irmãos Jim e William Reid já tem quase quarenta anos de atividade, uma carreira brilhante e elegantemente econômica – apenas oito álbuns, uma coletânea de lados-B e dois discos ao vivo. Ou seja, não é sempre que temos o privilégio de topar com a muralha de caos guitarrístico que permeia suas canções doces, que poderiam existir num mundo voz/violão se não fosse o gênio criativo e universal dos manos. Por isso devemos saudar a chegada de um novo álbum ao vivo, este impressionante “Sunset 666”.

 

 

A história deste registro é interessante e começa em 1990, quando o Jesus estava em turnê pela Europa e agendou uma série de shows nos Estados Unidos, escolhendo para a abertura de seus shows, uma banda iniciante, composta por fãs declarados: o Nine Inch Nails, de Trent Reznor. Depois desta temporada, iniciada sua própria carreira, o NIN se tornou um dos grandes expoentes do rock industrial pesadão e eletrônico feito nos Estados Unidos. Corta pra 2018, quando Reznor e sua banda estão em turnê pela América e decidem inverter os papéis, aproveitando que o Jesus havia lançado um raríssimo disco de inéditas no ano anterior – o ótimo “Damage And Joy” – e estava fazendo algumas apresentações para divulgá-lo. Os Reid aceitaram na hora e engataram uma perna americana com o maior prazer, culminando com seis shows no Hollywood Palladium em dezembro daquele ano.

 

 

Os três primeiros lados de “Sunset 666” trazem o registro quase integral de uma dessas apresentações, realizada no dia 15 de dezembro de 2018, o show que encerrava a turnê. O lado D apresenta três gravações do dia 11, todas elas pertencentes ao ótimo álbum “Automatic”, a saber, “Blues From A Gun”, “Between Planets” e “Halfway To Crazy” e o que se ouve por aqui é uma porrada atrás da outra, numa alternância impensável entre violência sônica e doçura melódica, bem ao estilo do ideário Reid de música. A diferença do registro ao vivo é que esse paradoxo estético se mostra muito mais vivo que nos originais de estúdio, promovendo uma irresistível atração por esta modalidade controlada de caos sonoro, que ensurdece tentando fazer carinho, que faz carinho errando a mão a ponto de ensurdecer. Tudo é praticamente perfeito e as microfonias das guitarras dos Reid soam como bálsamo para um Rock que parece ter esquecido da criatividade e da espontaneidade em favor de compromissos com o óbvio e com o banal.

 

 

São dezessete faixas, num total de 73 minutos de exuberância, trazendo canções de todos os álbuns do grupo, inclusive de “Damage And Joy”, como, por exemplo, a linda “Black And Blues”, cujo original trazia participação da cantora Sky Ferreira, aqui substituída com sobras por Isobel Campbell, que também participa de uma emocionante “Sometimes Always”, faixa do álbum “Stoned And Dethroned”. Os grandes clássicos estão presentes e, logo de cara, o ouvinte já topa com uma versão robusta e emocionante de “Just Like Honey”, cuja levadinha de bateria, emulada de “Be My Baby”, das Ronettes, ecoa pelo espaço. Daí pra frente, é só alegria, que alcança pontos altíssimos com “Amputation”, “Some Candy Talking”, “Head On”, além de uma insana “The Living End” e uma versão de nove minutos para “Reverence”. O encerramento com “In A Hole” é apoteótico e conjura batidas insanas da bateria com guitarras que parecem ainda mais sujas do que estavam quando o show começou.

 

 

A mágica está toda aqui. Aproveito para resgatar uma frase que usei para fechar a resenha que fiz de “Damage And Joy” para o Monkeybuzz (link aqui), na qual me refiro aos irmãos Reid, sua banda e o som que praticam há quase quarenta anos: juntos eles formam um tijolo de amor e caos arremessado na direção dos seus ouvidos e, te garanto, em alguns momentos da vida, é só disso que você vai precisar.

 

Ouça primeiro: todo o disco

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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