The Dream Academy tem discografia relançada com extras

 

 

 

A chegada de “Religion, Revolution & Railways” aos serviços de streaming e às estantes dos privilegiados que poderão pagar quarenta doletas por ela (nem está tão caro assim) me fez resgatar esse texto, escrito em 22 de julho de 2014, há quase dez anos, para o querido Monkeybuzz, no qual eu traço um histórico do trio inglês e passo sobre seus três discos, lançados entre 1985 e 1990. Dream Academy é dessas bandas que estavam no lugar certo, na hora certa e, assim como veio, foi. Mas é uma história bacana e cheia de música linda. Leia e conheça. E aqui está o link para o texto original.

 

 

Os anos 1980 têm um número imenso de bandas maravilhosas que nunca tiveram o sucesso merecido. Para cada cena de Bono Vox se esgoelando nos estádios ou clipes neo-psicodélicos de The Cure, um sem número de artistas de valor tentava um lugar ao sol, sobretudo na Inglaterra. Alguns chegaram a colocar algum single nas paradas de sucesso mais alternativas, outros nem isso e, claro, uma quantidade absurda de gente talentosa ficou pelo caminho nessa corrida pela visibilidade. O trio londrino The Dream Academy surgiu com uma ideia bastante diferente da maioria e, mesmo que tenha feito algum ruído na mídia, encerrou suas atividades após o terceiro disco. O que Nick Laird-Clowes, Kate St.John e Gilbert Gabriel tinham em mente era misturar Folk britânico (sobretudo Nick Drake) com molduras sonoras do então moderníssimo Pós-Punk, mas com espaço suficiente para influências externas, tanto de Pop clássico ou mesmo de World Music. Sim, o trio era ambicioso.

 

Tive um pequeno impacto quando vi o clipe de Indian Summer em algum momento de 1988. O título, conhecido aqui como “veranico” ou “verão fora de época”, ilustrava um romance que findava com o próprio verão, numa daquelas tão belas analogias entre a estação mais quente do ano e tudo o que queremos que aconteça nela. Versos belos, arranjo econômico, instrumental não-convencional, tudo apontando para algo realmente novo e interessante. Após alguma pesquisa (lembrem-se, era 1988), descobri que a canção estava no segundo disco deste trio inglês. Eu jamais ouvira falar em The Dream Academy, mas encontrei o LP à venda por aqui sem muita dificuldade e me aprofundei para descobrir quem eram essas pessoas.

 

Nick Laird-Clowes já passara por algumas outras formações ao longo dos anos 1970 e ficara amigo de ninguém menos que David Gilmour, guitarrista e cantor de Pink Floyd. Nick encontraria Gilbert Gabriel nessas idas e vindas em bandas e grupos com duração limitada. Os dois conversaram e viram que havia bastante em comum entre as ideias musicais de ambos. O desejo era de montar um grupo com instrumentos pouco convencionais para a época (1982/83), adicionando flautas, metais, cordas e percussão aos já tradicionais sintetizadores, tão comuns então. Nick conheceria Kate St.John em uma festa e a convidou para integrar a banda. Após mudarem o nome de Politcs Of Paradise para The Dream Academy, os três estavam prontos.

 

A banda batalhou nos subterrâneos londrinos por dois anos até ser contratada pela Warner. Quando o sinal verde para o primeiro disco surgiu, Laird-Clowes lembrou de Gilmour para produzir o álbum. Como Pink Floyd estava em suspenso, o guitarrista aceitou o convite. Decidiram que o primeiro single seria uma canção cujo título era Life On A Northern Town, uma espécie de homenagem a Nick Drake. A letra não dava qualquer pista sobre isso, uma vez que a narrativa tratava de uma cidade americana, mencionando ícones culturais de lá, como Frank Sinatra e o Presidente Kennedy, com a ação situada em 1963, em plena Beatlemania. A homenagem a Drake estava no terreno do subtendido e das coincidências da vida, uma vez que Laird-Clowes comprara o violão que Drake empunha na capa de seu segundo disco, Bryter Later, de 1970. O conceito de Life On A Northern Town é sobre isso, uma homenagem não literal, mas, digamos, “de espírito”.

 

A canção fez um sucesso inesperado e levou a banda aos Estados Unidos quando o álbum foi lançado. Batizado com o nome do trio, o disco ainda teve em Edge Of Forever outro sucesso, que foi parar na trilha sonora do clássico filme Curtindo A Vida Adoidado. Com participações especiais do próprio David Gilmour nas guitarras, do percussionista Luis Jardim (R.E.M., Peter Buck e do baixista Pino Palladino, o primeiro trabalho de The Dream Academy apontava para um futuro promissor. Passaram o ano de 1986 na estrada e entraram em estúdio em 1987 para gravar Remembrance Days. Como Gilmour já estava envolvido com a produção do álbum de retorno de Pink Floyd, Momentary Lapse Of Reason, o trio convocou o produtor de Police e Genesis, Hugh Padgham para chefiar o estúdio, ao lado de Nick. Também vieram Lindsey Buckingham (Fleetwood Mac), JD Souther (compositor e parceiro dos Eagles), Jerry Marotta, Patrick Leonard (o compositor de Like A Virgin e Like A Prayer, da Madonna), entre outros. O primeiro single foi justamente a canção cujo clipe me impressionou tanto em 1988. Indian Summer tinha estrutura bastante semelhante a Life On A Northern Town, incluindo o mesmo refrão “africano”, com percussão e cânticos. Mesmo que houvesse canções belas como Hampstead Girl, Ballad In 4/4 e In Exile, o segundo trabalho não conseguiu repetir o mesmo êxito da estreia.

 

O terceiro – e último – disco do trio veio em 1990 e trouxe um inesperado sucesso, pelo menos no Brasil: a cover de “Love”, de John Lennon, envolta por beats dançantes e instrumental indiano. Era a primeira e única incursão do trio no terreno da música para dançar e mascarava o restante do álbum, cheio de mais belezuras Pop, com climas, ambiências, vocais, instrumentais diáfanos. David Gilmour voltara ao posto de produtor e, além de tocar em várias faixas, compôs a bela Twelve-Eight Angel, uma canção Pop perfeita que lembrava os melhores momentos de gente como Tears For Fears e Simple Minds. No ano seguinte, a banda se desfez amigavelmente, diante da aparente incapacidade de fazer sucesso.

 

 

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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