Saudades do Teenage Fanclub? Conheça o Hurry

 

 

 

 

Hurry – Don’t Look Back
40′, 10 faixas
(Lame-O)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

A cada ano que passa, são lançados mais e mais álbuns bacanas. Ou, melhor dizendo, fica cada vez mais fácil acessar a produção pop daqui e de fora que, por sua vez, aumenta mais e mais. O fato é que estamos cercados por música interessante em todos os cantos e torna-se cada vez mais inadmissível se ater ao passado, dizendo que “no meu tempo é que era bom”. Fazer isso, leitor(a), além de burrice, é demonstração explícita de que o conservadorismo é um traço marcante de sua personalidade. Não se trata de deixar o que gostamos para trás, em favor de uma modernice constante e vazia, pelo contrário. É entender que, assim como no passado havia bandas e artistas bacanas, eles não sumiram no presente, pelo contrário. Há muito mais gente fazendo ótima música. Por exemplo, o trio americano Hurry. Você conhece? Eu também não, ouvi os caras há poucos dias e me deparei com o quinto álbum de sua carreira – “Don’t Look Back” – e, ao que tudo indica, estamos diante de mais uma banda que reza na carteira do bom e inestimável powerpop. O título já entrega a nossa mensagem: “não olhe pra trás”.

 

 

Pois bem, o Hurry é o projeto paralelo de um sujeito chamado Matt Scottoline, baixista de uma banda chamada Everyone Everywhere, igualmente desconhecida para mim. Em 2012, de saco cheio por não ter suas canções gravadas pelo grupo, Matt formou o Hurry, basicamente um nome para dar vazão à sua produção caseira de pop songs perfeitinhas. Com o tempo, ele sentiu vontade de dar vida e palco ao projeto e aperfeiçoou o Hurry sob a forma de quarteto, com ele nas guitarras e vocais e os irmãos Joe e Rob DeCarolis no baixo e bateria, respectivamente e o outro guitarrista, Justin Fox. Este quatro sujeitos obtém uma sonoridade limpa, afiada e cheia de sentimento sob a forma de solos e licks crocantes de guitarras naquela modalidade gorducha dos bons tempos do Teenage Fanclub dos anos 1990. Mais que isso: tem traços de DNA de várias bandas bacanas, como Lemonheads, Gin Blossoms, Weezer e similares, numa linha evolutiva que também abarca o seminal The dB’s, uma das formações mais influentes do rock alternativo mundial que pouca gente ouviu.

 

 

“Don’t Look Back” é aquele tipo de disco que te abraça e que parece o seu velho amigo que você nunca conheceu. É uma sucessão de melodias perfeitas, daquelas que a gente costumava dizer que parecem passeios no parque, piqueniques na praia ou qualquer outro sinônimo para o que os gringos chamam de “feelgood songs”, aquelas músicas que nos despertam a vontade de sorrir, de estar de bem com a vida. Ou seja, não tem erro nem desperdício ao longo das dez faixas do álbum. Tudo é bem produzido, bem tocado e feito com amor e sinceridade, sem nenhum traço de pretensão financeira de enriquecimento ou algo assim. É trabalho de amor, feito para dar vazão aos sentimentos (o álbum fala sobre um relacionamento que chegou ao fim) em forma de canção que nos dá a dimensão exata de que somos seres emocionais. O tal “animal sentimental” que Renato Russo menciona na letra de “Sereníssima”.

 

 

É injusto destacar uma ou outra canção em meio a um conjunto tão harmônico de melodias, mas vamos lá. “Parallel Haunting” é conduzida por uma melodia celestial, cheia de vocais dobrados e metais que são soterrados pelas guitarras. “Beggin’ For You” é mais agridoce, com um título que já entrega o teor sentimental que está contido em seus pouco menos de quatro minutos. “No Patience” parece uma canção do Gin Blossoms, com um arranjo que beneficia um pouco mais de ataque por parte da bateria e das guitarras, adornando outra melodia feita com precisão artesanal. “Around My Heart” é puro Teenage Fanclub fase “Songs Fron Northern Britain”, com aquela agridoçura desconcertante e quase comovente, fruto da confusão de sentimentos. Esta lindeza contraditória de sensações também permeia a levada em câmera lenta de “For Us To Find Love”, que parece te pegar pela mão e levar para pensar na vida. “Something More” é outra totalmente devedora das dinâmicas e influências do Teenage Fanclub, com pinta de lado-B do melhor álbum do grupo, “Gran Prix”, o que, convenhamos, é um baita elogio. E o fim do álbum, com a crocante “The Punchline” acelera o ritmo, lembrando uma outra banda noventista, “The Candyskins”.

 

 

Hurry é um pequeno paraíso perdido para fãs do powerpop noventista. Mas, ao contrário do que parece, é uma banda de hoje, com informações do presente, sem qualquer nostalgia bundona. Ouça, conheça ou relembre as influências dos caras e guarde-a no coração. Você pode precisar no futuro.

 

 

Ouça primeiro: “The Punchline”, “Something More”, “Around My Heart”, “For Us To Find Love”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

One thought on “Saudades do Teenage Fanclub? Conheça o Hurry

  • 18 de agosto de 2023 em 13:47
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    Saudade do T. Fanclub porque ? Sua expressão nos faz pensar que a banda de Glasgow já acabou a tempos. Ora, graças aos céus, isso ainda está longe de acontecer (espero), a banda que nos presenteou com o soberbo Grand-Pix, tem lançado discos acima da média nos anos subsequentes, é só ouvir o excelente Endless Arcade, para atestar a voracidade cidade do que falo. Ah, e lançaram mais um disco esse ano.

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