Temas Para Jovens Enamorados

 

 

Eu amo Easy Listening. De verdade. Você sabe o que signfica? Muitos dirão que se trata daquela “música de elevador”, “de sala de espera”, geralmente associada a termos como “diluição” e “banalização”. Adoro. Ouço com frequência e tenho explorado variáveis interessantíssimas dentro deste nicho, mas, por enquanto, como se fosse parte de um discreto plano de catequese dos meus leitores e leitoras, vou me arriscar a falar de um ícone desta galera: Percy Faith. O maestro canadense tem álbuns maravilhosos, gravados desde o início dos anos 1950, mas sua carreira passa a me interessar de verdade a partir de 1959, quando ele grava dois discos: “Bouquet” e “Tara’s Theme From Gone With The Wind”. O primeiro contem algumas das gravações mais impressionantes feitas com arranjos de cordas na música popular. O segundo tem a canção que marcaria a vida de Faith para sempre: “Theme From A Summer Place”. Mas o trabalho de que mais gosto, desde sempre, que me suscita emoções diversas é de 1963. Seu nome: “Themes For Young Lovers”.

 

Convém uma pequena digressão antes de partir para a carreira de Faith. O que se convencionou chamar de “easy listening” é, sim, um gênero musical que privilegia mais o arranjo do que a composição original. Foi um produto de seu tempo histórico, no caso, o período entre o pós-guerra e o início dos anos 1970, não por acaso, a chamada “Era de Ouro do Capitalismo”. Serviu para sonorizar, não só elevadores ou salas de espera, mas ambientes maiores, como shopping centers e lojas de departamento e consistia, a grossíssimo modo, em fazer arranjos que visavam privilegiar as partes “belas” de canções conhecidas do grande público, causando uma sensação de conforto e familiaridade. No caso dos shoppings e lojas, as trilhas sonoras ambientes visavam manter a pessoa o máximo possível de tempo para que pudesse gastar mais e mais. Para isso, era preciso deixá-la à vontade, feliz, confortável e fofa dentro daqueles ambientes. Mas, olhando – e ouvindo – com maior atenção, é possível entender que várias gravações e discos atingiam níveis geniais de musicalidade. Nas décadas de 1950 e 1960, esse tipo de música significava modernidade latente. Se comparada à música erudita, ela era extremamente portátil, um verdadeiro milagre de consumo artístico, pois carregava o mesmo arcabouço estético, ou seja, o formato de orquestra, com um naipes diversos e um condutor. Se o jazz das big bands enfatizava o ritmo e os metais, o easy listening era devedor direto das cordas, algo que, historicamente sempre foi associado ao clássico e à beleza, em si.

 

 

Daí podemos pular para Percy Faith, um judeu canadense que teve sua carreira forjada no rádio e no ensinamento de música de conservatório. Tornou-se fluente no piano e trabalhou em várias emissoras de rádio do Canadá e dos Estados Unidos até se tornar um superstar da Columbia Records a partir de 1950. Seus discos iniciais, pelo menos, até o fim da década de 1950, iam na direção da encruzilhada entre o easy listening mais convencional e o que se convencionou chamar de “exotica”, ou seja, a abordagem americana de vários ritmos e estilos sonoros vindos de outras partes do mundo. Valia tudo: de rumba e salsa caribenhas, passando por música havaina, oriental, indo até a bossa nova. Faith gravou discos nesta onda, mas seu forte era a música popular anglo-americana em si e, a partir de meados dos anos 1950, esta começou a mudar profundamente. Com a chegada do rock e de ritmos negros às paradas de sucesso, a música pop foi surgindo, substituindo o chamado “Great American Songbook”, que tinha em Rodgers e Hart, em Cole Porter e nos irmãos Gershwin os seus maiores astros.

 

 

Diz a lenda que Duke Ellington, um dos maiores músicos do século passado, foi assistir às sessões de gravação de “Bouquet”, um dos álbuns que Percy lançou em 1959. O motivo? “Quero aprender como se grava cordas e este homem é o melhor nesse ofício”. De fato, para inserir este tipo de instrumental nas gravações, era necessário, como se diz hoje, um background de aprendizado que gênios intuitivos como Ellington não tinham. E Faith, criado na interseção entre o conservatório e a música de rádio, esbanjava desenvoltura nesse terreno. Em meio a várias gravações sensacionais deste álbum, destaca-se a versão milagrosa para “Ebb Tide”, uma canção escrita em 1953, que ganhou sua versão definitiva em 1965, quando os Righteous Brothers a gravaram, sob produção de Phil Spector. A gravação de Faith tinha dobros e dobros de cordas, dando a impressão de que o ouvinte estava envolto pela sonoridade, num efeito impressionante. Em setembro de 1959, Faith gravou um de seus maiores sucessos: “Theme From A Summer Place”. Como o nome já diz, tratava-se de uma canção de cinema, no caso, que sonorizava o longa de mesmo nome, dirigido por e escrito por Delmer Daves. A princípio, a gravação original coube a Hugo Winterhalter, mas a versão de Faith ganhou o mundo e já estava em primeiro lugar nas paradas quando 1960 começou, lá permanecendo por nove semanas.

 

 

A década de 1960 trouxe a necessidade de mudança para artistas como Faith. Com a já mencionada substituição do cancioneiro americano clássico por novas e borbulhantes pop songs, era necessário se adaptar mas sem perder a essência. Por isso “Themes For Young Lovers” é tão sensacional: trata-se do momento em que Percy conseguiu se conectar diretamente com estas novas canções, gravando composições de Carole King/Gerry Goffin, Carl Leiber/Mike Stoler e sucessos gravados por popstars nascentes como Rick Nelson, Skeeter Davis, Brenda Lee, The Drifters, Andy Williams e o grupo The Cascades. O resultado é sensacional em sua tentativa de achar um lugar na revolução do pop que daria, entre outras coisas, na beatlemania já no ano de lançamento do álbum, 1963. Exatamente como dizem as notas informativas contidas no álbum:

 

 

“TEMAS PARA JOVENS AMANTES apresenta uma grande orquestra com um som jovem para jovens! Estas são as canções que a jovem América está ouvindo hoje. O maestro e arranjador Percy Faith os lidera em um álbum repleto de exuberância juvenil e senso de aventura.

Em uma interação rodopiante de ideias musicais, as grandes seções de cordas de Percy, miríades de instrumentos de sopro e trompas trazem vividamente à vida uma dúzia dos melhores dos novos sucessos. “I Will Follow You”, “Rhythm of the Rain”, “Go Away Little Girl”, “Can’t Get Used to Losing You” e um notável original de Faith, “Theme for Young Lovers”, refletem brilhantemente os gostos emocionantes dos jovens modernos.

A originalidade criativa de Percy nunca foi tão ousada ou gratificante. Suas harmonias e contrapontos são direcionados aos ouvidos – e aos corações – de uma geração musicalmente exigente e perspicaz. Como só ele sabe, Percy Faith faz todas as músicas TEMAS PARA JOVENS AMANTES.”

 

 

Essas informações dão conta deste momento crucial para a viabilidade de Percy Faith nos anos seguintes e, a julgar pelo desempenho de “Themes For Young Lovers” nas paradas e, posteriormente, seu papel na cultura pop do período, ele se saiu bem. Das doze faixas, apenas “Theme For Young Lovers” é autoral e inédita. As outras são versões de sucessos pop de seu tempo, caso explícito de “The End Of The World”, manjadíssima canção de Skeeter Davis e de “Up On The Roof”, de Carole King e Gerry Goffin, gravada no ano anterior por The Drifters. Aliás, o repertório do grupo vocal de Nova York fornece outro momento dourado do disco: “On Broadway”, de Leiber e Stoler, que ganharia sua interpretação decisiva nos anos 1970, com George Benson. “Rhythm Of Rain”, do grupo The Cascades, dona de uma das melodias mais belas do pop universal, também ressurge gloriosa em meio a cordas celestiais, mas talvez o momento mais comovente aqui seja “Go Away Little Girl”, outra composição de Carole King e Gerry Goffin, que fora gravada em 1962 originalmente por Bobby Vee de forma belíssima, mas que, ganha nova vida com o arranjo de Faith.

 

 

A partir deste álbum, Percy Faith se voltaria definitivamente para produção pop e a usaria como combustível criativo para suas gravações. Dá pra dizer que tudo o que ele produziu a partir daí é genial. Discos como “Themes For The In-Crowd” (1965), “Today’s Themes For Young Lovers” (1967) e “Leaving On A Jet Plane” (1970, que marcou a incorporação de vocais em algumas gravações) são excelentes e devem ter seu valor reconhecido. Percy morreria em 1976, vítima de câncer. Seu legado é inestimável e merece apreciação constante. Algumas de suas versões e discos são maravilhosos de um jeito único. São trilha sonora de um momento histórico peculiar, marcado por prosperidade e posicionamento geopolítico que apontava para tempos futuros melhores do que os que vieram de fato, a partir da década de 1980.

 

 

 

 

 

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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