Portugal The Man lança pequena obra prima pop

 

 

 

 

Portugal The Man – Chris Black Changed My Life
34′, 11 faixas
(Atlantic)

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

 

Um dos tiques do nosso tempo é o quase desaparecimento de grupos de música pop. Há algumas poucas décadas, eles davam o tom das canções mais tocadas no rádio e na MTV, mas, como você pode julgar a partir dessas duas referências de mídia, eu estou obviamente falando de outro tempo, que já passou. O fato é que, já há uns dez anos, pelo menos, o pop se tornou privilégio quase exclusivo de artistas solo. Divas, divos, rappers, trappers dominam o ambiente e as exceções de grupos pop são cada vez mais raras. De cabeça só consigo lembrar de duas formações americanas muito boas – Fitz And The Tantrums e Portugal The Man. Ah, tem o Maroon 5 também, mas este é quase o veículo para um artista solo se expressar, então, seja por isso, seja pela sonoridade fraca e óbvia, não entra na lista. E o próprio Portugal The Man só passou a fazer parte desse contexto há pouco tempo, exatamente quando lançou o hit mundial “Feel It Still”, de seu álbum anterior, “Woodstock”, de 2017. Uma olhada no Spotify diz que esta canção – que é ótima – tem mais de um bilhão e cem milhões de streams, o que, convenhamos, não é pouco. Sendo assim, a expectativa pelo sucessor daquele disco é bem alta, ainda mais depois de seis longos anos. Temos então este surpreendente “Chris Black Changed My Life”, bem diferente do anterior, ainda melhor e mais arrojado artisticamente.

 

 

O Chris Black do título era amigo do grupo, viajava com eles e era um grande incentivador desde os primeiros dias. Black também era DJ e cineasta e sua carreira começava a tomar forma quando faleceu tragicamente em 2019. Este fato, além da inesperada fama a partir do sucesso massivo de “Feel It Still” fez John Gourley, a mente pensante do Portugal The Man, percebê-las como grandes inspirações para o processo criativo do álbum que viria a seguir. Com a convocação de Jeff Bashkar, produtor de gente como Mark Ronson e Kanye West, Gourley meio que definiu o setor artístico no qual desejava situar o próximo trabalho da banda e o resultado prova a habilidade do sujeito em criar pequenas maravilhas pop contemporâneas, inegavelmente do nosso tempo e, ainda assim, com influências surpreendentes pulando do bolso do colete. O resultado não é mainstream, pelo contrário, as canções guardam timbres e arranjos criativos, mas que não fecham os ouvidos para abordagens mais universais e dançantes. Outro fator que facilita tudo: a quantidade impressionante de ótimas canções que pipocam ao longo dos 34 minutos do álbum.

 

 

A curta duração do álbum ajuda bastante. As canções não se arrastam por vinhetas estéreis ou repetições sem graça. Uma vez iniciado o percurso sonoro, o objetivo do álbum é induzir o ouvinte à belezura musical e algumas faixas realmente surpreendem até os convertidos ao grupo. De cara, “Grim Generation”, segunda canção do álbum, mostra ao que Portugal The Man veio: arranjo matador, linha de baixo derivada do melhor do r&b atual e uma citação genial a “Dream Weaver”, sucesso de Gary Wright dos idos de 1975. A levada é sensacional, dançante e caraoquística ao mesmo tempo. Com essa credencial, o ouvinte já entende o que está por vir e “Thunderdome”, que traz participação da cantora e compositora mexicana Natalia Lafourcade, tem órgãos psicodélicos, bateria bem posicionada e de verdade, além de um refrão matador. A ambiência lembra muito a dos álbuns noventistas do Beck quando abraçavam as texturas mais dançantes. “Dummy”, o primeiro single do disco, também vai por essa seara, mas também citando a melodia de “Crazy”, hit do Gnarls Barkley, lembra disso?

 

 

Há uma participação muito bem-vinda da Uknown Mortal Orchestra em “Summer Of Luv”, que tem mistério e fofura em seu arranjo, além de um pouco de ambiência funky setentista, algo que é sempre legal. Daí surge “Ghost Town” (que não é a do Specials) que investe numa levada dançante mais convencional setentista, meio rock, meio largação sonora, com um refrão de vozes infantis sensacionais, o que funciona em meio ao todo. “Time’s A Fantasy” é mais contemplativa e com efeitos e filtros servindo mais como introdução para “Doubt”, que é um baladão desencarnado, pianístico e belo, com letra desesperada e soterrada. Outra canção que poderia ser de Beck surge – “Plastic Island” – e abre caminho para dois sensacionais fechos para o álbum: “Champ”, que começa lenta e climática, evoluindo para uma balada quase gospel e cheia de naipes de metais meio ocultos. E “Anxiety:Clarity”, psicodélica, intrincada, com final falso e tudo mais. Ou seja, é possível brincar com essas influências e, ao mesmo tempo, soar absolutamente pop.

 

 

“Chris Black Changed My Life” é um discaço. Ou melhor, é um pequeno grande disco. Tem inventividade, apelo pop, ótimas canções e um grupo que parece ter encontrado a sua razão estética de existir. Ouça ontem.

 

Ouça primeiro: “Grim Generation”, “Dummy”, Summer Of Luv”, “Doubt”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

One thought on “Portugal The Man lança pequena obra prima pop

  • 30 de junho de 2023 em 13:11
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    Mais um cdzinho pra lista de compras…..lá se vão minhas economias !

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