Sleaford Mods – Spare Ribs

 

 

Gênero: Rock alternativo, eletrônico

Duração: 42 min.
Faixas: 13
Produção:
Gravadora: Rough Trade

4.5 out of 5 stars (4,5 / 5)

 

 

 

 

O Sleaford Mods é uma dupla que recicla o ideário punk em pleno século 21. No lugar das guitarras e do barulho, temos vociferações constantes posicionados sobre uma base eletrônica que emula rudimentos de baixo, bateria e guitarra. Quem faz as letras e canta é Jason Williamson. Quem faz a parte “musical” é Andrew Fearn e eles chegam agora ao sexto álbum com o lançamento desste ótimo “Spare Ribs”. É tudo com cara de improviso e gambiarra, mas a sonoridade do Sleaford Mods é sensacional e espontânea. A impressão que sempre percorre o ouvinte é a de que esse dois sujeitos chegaram de algum transporte público no centro da cidade, colocaram uma caixinha de som na rua, plugaram num laptop, ligaram um programa pirateado e começaram a cantar polaroides cotidianas em meio aos passantes. É coisa de povão, de revolta, de inconformismo, mas também é catarse de frustração e desejo de mudança. Se nos trabalhos anteriores, a raiva dos SM era sobre a estupidez individual, consequência da burrice reinante e da espetacularização da miséria neoliberal, aqui o foco muda diretamente para o governo britânico vigente na pandemia, no Brexit, neste tempo terrível. E o bicho pega, gente.

 

A grande magia presente na obra da dupla – e que está firme no novo trabalho – é o equilíbrio entre essa proposta de canto-falar sobre base pré-grava e a própria capacidade dessas bases soarem musicais. Elas soam, às vezes parecem quase dançantes e feitas para sacolejar o povão na hora da volta pra casa. Mais que isso: é som de rua, de pub, de gente exausta que voltou do trabalho e, antes de capotar na cama, parou pra tomar uma cerveja. Claro, o referencial é britânico, mas a gente pode – e deve – fazer a conversão pra nossa realidade local. O combustível que move a musicalidade da dupla é a miséria existencial e a consequente revolta que ela desperta. Logo, temos inspiração de sobra por aqui e em outros países distantes da Velha Ilha. A produção – aparentemente simples – da dupla também tem seus ases na manga. Há algo bem legal que é a sobreposição de vozes, através de várias gravações, o que dá a impressão de que Williamson está falando com outra pessoa, ou que estamos, de fato, num balcão de pub, no meio da confusão, falando e discutindo sobre algum assunto que envolva detonar os agentes da nossa miséria material/existencial. É uma música adorável e verdadeiramente mundana, suja.

 

Seria fácil para o Sleaford Mods colaborar com gente importante nesta altura do campeonato. De cara dá pra imaginar um Liam Gallagher da vida duetando com eles, mas os caras não têm esse tipo de preocupação. Preferem dar espaço para novatos, caso de Amy Taylor da banda australiana Amyl and the Sniffers, cuja contribuição breve na faixa “Nudge It” se encaixa surpreendentemente bem com o som dos Mods. A participação de Billy Nomates em “Mork N Mindy” já soa totalmente familiar, até porque a cantora de Bournemouth é uma versão condensada e feminina da dupla. A primeira metade de “Spare Ribs” é na verdade é lenta e estranha, o que não é necessariamente uma coisa ruim. Há algo no sotaque de Williamson, típico de East Midlands, que funciona muito melhor com um andamento mais rápido. Ele parece muito abatido para se arrastar. As últimas faixas, com exceção de “Fishcakes”, são todas batidas rápidas. A faixa-título e “Thick Ear” absolutamente roubam o show.

 

Ao fim de “Spare Ribs” a gente conclui que está diante do primeiro grande disco de 2021 e que, a julgar por seu conteúdo e musicalidade, os Sleaford Mods já se posicionam como protagonistas dessa música que realmente importa ouvir atualmente. Maravilha.

Ouça primeiro: “Nudge It”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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