Rock In Rio 2019 – A Noite do Metal
Em primeiro lugar, peço desculpas aos amigos e leitores que pediram textos específicos sobre os shows da Noite do Metal do Rock In Rio, que ocorreu no dia 04 de outubro. Usei o seguinte critério para as resenhas de apresentações: só fiz as que presenciei ao vivo, nos três dias em que estive no festival. Hoje em dia é possível fazer textos vendo os shows apenas pela TV, algo que é bastante questionável. Acho que dá pra comentar, observar a até criar uma boa ideia do que está acontecendo, porém, para fazer este relato completo, penso que é imprescindível a presença.
Sendo assim, não me senti capaz de resenhar os shows mas vi as apresentações e posso, sim, dizer o que achei. Claro, há três para destacar, por motivos diferentes. Nervosa, Iron Maiden e Scorpions. O grupo paulista, formado apenas por mulheres, abriu o dia com um set de composições próprias – algo sempre louvável em bandas menos conhecidas do grande público – e mostrou um fato raríssimo: politização. Não se trata de algo partidarizado, muito porque o sistema eleitoral vive uma crise mundial, mas a política é algo indissociável do ser humano. Mesmo dizendo que você não quer falar do assunto, você já está falando – e fazendo – política. E as meninas entenderam exatamente seu papel num festival de música que se supõe agressiva e antissistema. Falaram sobre representatividade, lugar de fala e agradeceram à vereadora Marielle Franco, cujo assassinato ainda não foi esclarecido. Sofreram críticas de muita gente mas deram seu recado e obtiveram o destaque merecido.
As apresentações de Sepultura, Anthrax e Slayer eu pulei por alguns motivos: a banda brasileira se tornou uma espécie de Capital Inicial metaleiro, com presença garantida em Rock In Rios, portanto, acho sempre que a produção do evento poderia procurar artistas que ainda não estiveram no festival, primando pela novidade. Os outros dois, ícones do thrash metal, fazem um estilo de música do qual não gosto e não vejo problema em admitir isso. Entendo que é legal a velocidade, a violência e tudo mais que esta variante urbana e oitentista do metal significa, mas, definitivamente, não é para mim. Acho particularmente legal que o Anthrax tenha vindo finalmente ao Rock In Rio. De resto, mais não posso falar.
O Palco Mundo viu os dois shows mais importantes da noite. Iron Maiden e Scorpions, dois sobreviventes do primeiro Rock In Rio, com energia suficiente para satisfazer fãs sempre ávidos pela presença destas bandas. O Iron é mais acessível, adora vir ao Brasil e sabe que tem aqui uma audiência enorme e fiel. Com o show The Legacy Of The Beast, os ingleses vieram com o jogo ganho, uma vez que só tocaram clássicos de sua enorme e vitoriosa carreira. Nada de canções obscuras, apenas os velhos cavalos de batalha como “The Number Of The Beast”, “The Trooper”, “Run To The Hills”, “Hallowed Be Thy Name” e por aí vai. Até “The Clansman” e “Sign Of The Cross”, da infeliz fase com o vocalista Blaze Bailey, ficaram legais. Bruce Dickinson tem energia e voz inatacados pelo tempo, segue sendo a marca central do Maiden. O trio de guitarristas, entre eles o sósia do professor Jorge Fernandes, Dave Murray, é sempre outro diferencial, sem falar na presença do irmão mais velho do sérvio Petkovic, o baterista Nicko McBrain. Fornecendo a argamassa que liga essa gente toda, o baixista Steve Harris, o dono da banda, o cérebro de tudo. Não decepcionaram e encantaram até quem não liga para heavy metal. Dá pra dizer que o Iron Maiden transcendeu o gênero e é a maior banda do estilo em atividade no planeta, talvez de todos os tempos.
Os alemães dos Scorpions fizeram um show algumas oitavas abaixo do Maiden em termos de intensidade. Deu pena dos sujeitos entrarem após a apoteose promovida pelos ingleses, mas eles conquistaram o público na raça e na força do repertório, especialmente os sucessos dos anos 1980 e 1970. Impressionante ver o vocalista Klaus Meine, 71 anos, com a voz muito próxima do seu registro original e rascante. Também foi bom rever o excelente guitarrista Mathias Jabs, ainda capaz de arrancar notas e acordes criativos e, particularmente bacana ver o baterista Mikkey Dee, ex-Motorhead, segurando as baquetas para os alemães. O público delirou com a balada “Winds Of Change”, mas foi em cavalões de batalha como “Rock You Like A Hurricane”, “Big City Nights”, “Blackout” e, especialmente, na bela e ainda importante “Still Loving You”, que a banda chegou ao ápice.
A Noite/Dia do Metal é uma marca registrada do Rock In Rio. É bacana ver como a produção do festival entende do estilo e geralmente acerta nas escalações. Se não fosse pelo problema de saúde enfrentado pelo guitarrista e vocalista Dave Mustaine, do Megadeth, que precisou cancelar sua presença, o evento seria ainda mais sensacional. O fã de metal é unido, solidário e fiel, talvez só precise melhorar no entendimento da situação atual e perceber seu papel dentro das questões que envolvem a sociedade e seu posicionamento político dentro dela. De resto, é bola na rede.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.
Sou fã do Sepultura, considero que no palco eles continuam arrebentando como sempre fizeram desde o início da carreira, com muita garra, técnica, peso e empolgação, e concordo totalmente: já cansou um pouco vê-los no RiR – ainda mais sabendo que acabaram de sair dos estúdios, e daqui a pouco iniciarão nova turnê. Particularmente, acho que já cansei também deles sempre encerrarem com Roots… Repertório é que não falta! Engraçado é que esse comentário poderia valer também para o Iron Maiden: sem repertório novo, uma turnê só com grandes sucessos, muitas passagens pelo Brasil. Mas nos palcos, eles são reis! Um repertório tão vasto que parece que é um show novo!
Ótimo texto, direto e honesto.
Depois do Maiden, visto de perto, o cansaço bateu. Vi de longe os Scorpions e o palco a distância era impressionante, o som chegava alto e redondinho também. Coisa que a proximidade nos priva.
Cheguei tarde, na hora do Anthrax (excelente!) e o festival estava lotado, tudo meio caótico. Ótimo! Vale lembrar que o Iron Maiden tem cd e dvd gravados no RiR de 2001, estampados nas capas um record de 250 mil pessoas. Mentira! Haviam 150 mil, o que possibilitou assistir com conforto para quem estava lá, como eu. Mas confirmava o preconceito e o medo (ainda) existente da produção do festival com o público do metal, que, hoje, já não é tão masculino; ainda é muito mineiro, paulista, argentino e não carioca, mas muito fluminense.
Em tempo, o conservador Tom Araya é baixista e o Sepultura é a maior brasileira, não tem como fugir. Faltou a homenagem ao André Mattos, que uniria suas ex-bandas num mesmo palco. Faltou tempo, pois o metal foi pontual e na procura de um bom lugar, teve-se que optar por assistir via telão para não perder o posto, só que o (s) telão (ões) não transmitia todo show do outro palco.