Bossacucanova – Bossa Got The Blues

 

Gênero: Eletrônico, samba jazz
Duração: 32 min
Faixas: 10
Produção: Bossacucanova
Gravadora: Deck

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

Lembram do Bossacucanova? Aquele grupo surgido no fim dos anos 1990, início dos anos 00 com a missão de dar uma reciclada nas melodias da Bossa Nova, usando um aparato eletrônico calcado em drum’n’bass e outras tendências da época? Pois é, aqui está ele. Na verdade, pode parecer um retorno, mas Alex Moreira, Marcelinho da Lua e Marcio Menescal nunca pararam a carreira e seguem adiante, sob o radar da grande mídia. Por isso mesmo, pouca gente vai notar que “Bossa Got The Blues” é um grande disco, talvez o melhor da trajetória dos caras. Devidamente assessorados por Roberto Menescal, pai de Alex, o Bossacucanova refrescou as idéias e se saiu muito bem. Vejamos.

 

“Bossa Got The Blues” é diferente de tudo que já fizeram. Em primeiro lugar, quase não há Bossa Nova por aqui, o que é bom. A fusão de ritmos praianos cariocas originais com o baticum eletrônico parece ter se esgotado, o que moveu o grupo em direção à busca de uma sonoridade nova, muito próxima do samba jazz sessentista, algo que surgiu em paralelo à Bossa e que Roberto Menescal – que produz o disco junto com o trio e compôs tudo que está por aqui – domina muito bem. As levadas são frescas, bem pensadas e, se não inovam, também não resvalam para a caricatura ou algo no gênero. Os caras entendem o que estão fazendo e sabem como fazer. Daí fica fácil.

 

Outros dois fatores que diferem “Bossa Got The Blues” dos outros álbuns que o BCN já gravou: aqui não há vocais e nem covers. É tudo novo e instrumental, o que conecta o disco com as releituras e reprocessamentos dessa sonoridade samba jazz que vêm sendo feitas por aí. Também conecta a sonoridade do álbum com o que gente como Marcos Valle tem feito, especialmente em seu último e ótimo trabalho. Apesar do release enfatizar que a busca do grupo por um novo som o tenha aproximado do blues, a influência do samba e do jazz parecem mais fortes. De qualquer maneira, este é o disco mais negão e psicodélico do grupo, algo inesperado e bem legal.

 

Destaques são vários: “1937”, que abre os trabalhos, tem título mostrando o ano que Roberto Menescal veio ao mundo, e mostra que o homem coloca os seus 82 anos a favor da musicalidade sem par. O inconsciente do álbum não foca mais no Rio dourado dos anos 1950, apesar de trazer canções como “Train To Ipanema” e a própria faixa de abertura. O BCN se permitiu ampliar o recorte geográfico e se saiu com coisas extremamente legais como “Sambalaya”, “Kalunga Rocket”, “Blues Bossa” e a emocionante “Laudir’s Theme”, homenageando o percussionista Laudir de Oliveira, que tocou com o grupo Chicago e com o próprio BCN. Fechando o álbum num tom quase chapliniano, a linda “Galera Menescal”, um refúgio copacabanense de muitas glórias e tradições, que tinha lojas de brinquedos, óticas e um dos melhores restaurantes árabes do Rio.

 

“Bossa Got The Blues” é uma dessas iniciativas que vão contra tudo o que acontece na música brasileira noticiada pela grande mídia. É sensível, bem intencionado, inspirado e descomprissado. Não visa o lucro, não visa cliques nem likes, mas acerta em cheio o coração do ouvinte dedicado. Uma lindeza.

 

Ouça primeiro: “1937”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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