Rebeca faz pop brasileiro bem informado

 

 

 

 

Rebeca – Espiral
31′, 10 faixas
(Deck)

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

 

 

Onde está o pop brasileiro em 2024? Nas gravações de Anitta e Ludmilla? No tecnopop simplificado de Jão? No carnaval de proveta de Ivette Sangalo e Claudia Leitte? Nos sertanejos universitários? Nos artistas do pagode, do arrocha, de trap, de hip hop? Ou nos que fazem MPB indie, good vibes, tipo Anavitória, Melim, Vitão, Victor Kley e congêneres? Uma análise menos cuidadosa poderia dizer que está em toda parte desta estrutura que se desenvolveu nos últimos dez, quinze anos, no vácuo das grandes gravadoras, impulsionada por um mercado cada vez mais diverso, fracionado e volátil. Em alguns momentos, o número de possibilidades do pop nacional é tão grande que desorienta o ouvinte e quem se dispõe a refletir sobre o assunto. Em meio a este cenário tão diverso e industrial, fica difícil propor alguma mudança, variação ou caminho que seja espontâneo. O novo álbum de Rebeca Sauwen, “Espiral”, pode ser uma dessas chances raras de ouvir algo totalmente pop mas com uma distinção, um acento, um toque pessoal que faça toda a diferença.

 

Ainda que seja esteticamente identificada com este cenário da MPB good vibes, Rebeca vem se afastando dele desde sua estreia solo, em 2019, com o álbum “Corar”. Egressa da cena niteroiense universitária, ela participou de várias colaborações, teve uma banda – a boa Gragoatá, que chegou a lançar disco em 2017 – e teve dois momentos em que sua carreira foi alavancada. O primeiro veio em 2015, quando participou do The Voice Brasil, sendo eliminada nas oitavas de final. Cinco anos depois, ela foi convidada pelo amigo Julio Secchin para cantar na faixa “Quero Ir Pra Bahia Com Você”, fazendo grande sucesso. Seria natural buscar acomodação ou surfar nas ondas da facilidade, mas Rebeca optou por criar uma obra em que pudesse dialogar com suas influências mais queridas – Bjork, Kimbra, Feist, Joni Mitchell, Adriana Calcanhotto – sem abrir mão de expressar suas angústias e pensamentos de jovem mulher urbana. A ideia ganhou contornos mais fortes e se transformou neste bom “Espiral”, que é fruto de vários estudos e observações cotidianas, tendo a pandemia da covid-19 como um fator determinante.

 

O resultado é ótimo. Com produção conjunta de Rebeca e Rodrigo Martins, que já pilotou estúdios para o cantor Rubel, “Espiral” tem uma sonoridade moderníssima, esclarecida, que permite falar sobre amor, relacionamentos, medo do futuro e várias outras reflexões que se tornaram moscas brancas na produção pop nacional de uns tempos para cá. “O conceito das músicas evoluiu muito durante a produção, refletindo minha busca para entender quem sou e explorando meus relacionamentos, não apenas amorosos. Abordei minhas reações diante de frustrações, reconhecendo-as e recalculando a rota. Falo sobre medo, desejo, vulnerabilidade, desistência e o espaço para o novo. É uma fase de transição entre os meus 24 e 28 anos, vivendo em três cidades: Niterói, São Paulo e Rio”, diz ela.

 

Várias canções fazem bonito ao longo do álbum. O instrumental delicado que perpassa todas as faixas é, certamente, uma marca registrada da sonoridade inventiva que Rebeca e Rodrigo conseguiram. “Foge de Casa”, que abre os trabalhos, é uma lindeza acústica que vai crescendo do violão para teclados e outros instrumentos, lembrando algo que poderia ser gravado nos anos 1990. “Cofre” tem um andamento mais cadenciado, com bom uso das percussões e uma letra que fala sobre um relacionamento que chega ao fim e, em meio à devastação emocional, fala do que deve ficar preservado das ondas de mudança inevitáveis. “Caixas” é outra belezura (“sempre fui boa em arrumar as caixas do que eu sinto, em prateleiras altas”) acústica que vai evoluindo para um arranjo delicado e cheio de detalhes bacanas. “Telepatia”, que fecha o disco, novamente aposta na configuração dos violões acústicos em primeiro plano, oferecendo pingos de teclados que vão surgindo. Os vocais, assim como em todos os momentos do disco, mostram uma artista cheia de ideias e talento.

 

“Espiral” é um ótimo exemplo de como é possível fazer um pop mais profundo, relevante, que vá além do consumo imediato. Rebeca não faz música fast food, pelo contrário, ela oferece detalhes, deixa pistas, convida o ouvinte a conhecer seu mundo e isso é muito legal. E deveria ser mais frequente no pop nacional, seja ele de que matiz for.

 

 

Ouça primeiro: “Caixas”, “Cofre”, “Foge de Casa”, “Telepatia”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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