Real Estate – The Main Thing

 

 

Gênero: Rock alternativo
Duração: 52 min.
Faixas: 13
Produção: Kevin McMahon
Gravadora: Domino

]usr 4.5]

 

 

Pra muitos efeitos, gosto de comparar New Jersey a Niterói. Nem é um olhar tão preciso, visto que estamos falando de um estado americano e um município brasileiro, mas, em muitos aspectos, há uma equivalência de clima, cultura, postura…Ou não, talvez seja minha mente em lenta degeneração. O fato é que, em termos musicais, há uma profusão de artistas musicais nascidos em Jersey que teimam em dar as caras com trabalhos muito interessantes. O Real Estate é um deles, mas seu som não tem muito do que se espera de gente nascida lá. É um rock que tem seu genoma mapeado desde os Byrds, passando por bandas inglesas dos anos 1980 – gente como Felt, por exemplo – e chegando a instituições do rock alternativo, como os conterrâneos Yo La Tengo.

 

“The Main Thing” é o quinto disco deles e talvez seja o mais bem resolvido musicalmente. Dá pra notar uma nítida evolução do som do grupo, partindo de um rock melancólico e evocativo de dias nublados na praia para uma sonoridade mais ampla, ainda rock, ainda alternativa, mas com um espectro maior e mais amplo. Tudo por aqui é belo, bem pensado e executado, mas o grande atrativo é o entrelace de guitarras e teclados, originando uma sensação de beleza como há um bom tempo não se ouvia. A eletrônica só aparece como ferramenta discreta em alguns arranjos, deixando o trabalho maior para os instrumentos acústicos e para a bela voz de Martin Courtney, que funciona como um laço de fitas que embrulha o pacote sonoro acima de todos.

 

Além de texturas, climas e sons, o Real Estate oferece belas canções, com sentimento e legitimidade rock. Não espere nada pesado, a ideia aqui é emular as ondas, os ventos, criar sensações. É tudo meio lento, meio contemplativo, mas que, se você der a sorte de perceber, vai evocar lindezas imersivas de vários calibres. A abertura, com “Friday”, já coloca o ouvinte em estado de alerta e o familiariza com o que vem pelo álbum adentro. O single “Paper Cup” mostra a tal ampliação de espectro que mencionei há pouco, especialmente por ter um andamento mais rápido e uma levada, digamos, mais funky. “Gone” e “You” são duas irmãs gêmeas em sensações, mesmo sendo diferentes em si. A segunda tem um débito estranho com algo de Velvet Underground, talvez nas guitarras, talvez na psicodelia que exala dos acordes.

 

Mas a essência do disco e da banda vem em momentos como “November”, uma belezura de pouco mais de dois minutos de duração. Cordas e timbres de guitarras se sobrepõem e se dobram, numa pequena e controlada explosão de lirismo e vocais de apoio entrecruzados. “Also A But” é outra beleza em câmera lenta, novamente com teclados subterrâneos que se somam ao timbre das guitarras, criando uma dimensão alternativa. Já a faixa-título mistura os climas do Felt com algo de New Order sem eletrônica, mas em sentimento e familiaridade. “Shallow Sun” tem bateria cascatas de guitarras e teclados por todos os cantos, enquanto “Silent World” parece canção de banda sueca alternativa do início dos anos 2000.

 

“The Main Thing” é um disco essencialmente belo. No fim das contas e da audição, fica a certeza de que o Real Estate é uma das grandes bandas americanas da atualidade, tão discreta e sincera, que ainda é privilégio de poucos. Ouça e garanta seu lugar no meio dessa minoria esclarecida e recompensada.

 

Ouça primeiro: “Silent World”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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