Black Keys em busca da espontaneidade perdida

 

 

 

 

The Black Keys – Ohio Players
44′, 14 faixas
(Warner)

3 out of 5 stars (3 / 5)

 

 

 

 

Após ouvir “This Is Nowhere”, a primeira faixa deste novo álbum dos Blacks Keys, o ouvinte mais atento e cascudo pode se perguntar: “diabos, isso é Beck?”. De fato, a semelhança com o que o artista novaiorquino fazia nos idos de 1996, quando lançou seu álbum “Odelay”, é enorme e a dúvida é logo desfeita ao percebermos que, não só ele está presente em metade das faixas deste novo “Ohio Players” mas na própria história dos Black Keys. Quando começaram a carreira, em fins dos anos 1990, Dan Auerbach e Patrick Carney, fizeram vários shows de abertura para o então consagrado Beck, que surfava na onda da esquisitice sonora noventista, criando híbridos de folk, rock e hip hop com uma abordagem nova e instigante para aqueles tempos. Os próprios Black Keys também queriam entrar nessa onda de revisitar signos clássicos da música pop americana dos anos 1950/60, mais precisamente, o blues rock de garagem, com uma abordagem moderna e, vá lá, descolada. Hoje, mais de vinte anos depois, a dupla e Beck levam adiante algo que planejaram ainda naquele tempo: fazer um trabalho juntos ou, quem sabe, a maior parte de um disco juntos. E “Ohio Players” é isso. Além do ótimo trocadilho com o nome de uma das maiores formações soul dos anos 1970, o disco é uma tentativa de resgate da espontaneidade perdida após vários álbuns de sucesso, que transformaram o Black Keys numa banda conhecida mundialmente.

 

Engraçado que esse tipo de movimento em busca de origens geralmente mostra o artista sozinho, procurando reencontrar detalhes e marcas que se perderam com o tempo. Os Black Keys nunca estiveram tão acompanhados como neste trabalho. Além de Beck, temos as presenças de Noel Gallagher, Greg Kurstin (o produtor das estrelas que já foi tecladista da banda de apoio de Beck), Dan The Automator, Aaron Frazer, Angelo Petraglia e mais um monte de gente. A missão não é tão simples assim, talvez pelo fato de que os Black Keys se assumiram – e foram assumidos – como uma formação dotada de ares enciclopédicos, capaz de fazer resgates estéticos de tipos obscuros de blues, de cantores e cantoras esquecidos – que Auerbach grava e lança por sua gravadora Easy Eye – fazer covers de sucessos perdidos da soul music sessentista e, além disso tudo, soar novo, fresco e descolado, como se tudo fosse mais ou menos casual. Álbuns como “Turn Blue” (2014), “Let’s Rock” (2019) e o mais recente, “Dropout Boogie” (2022) mostram que esta fórmula sofreu um desgaste considerável.

 

Por exemplo, vejamos “Only Love”, uma das canções que têm participação de Noel Gallagher. Tem menos de três minutos, groove dançante e preciso, mas soa como várias outras criações da dupla nos últimos anos. Ninguém poderia dizer que é ruim, mal feita, mas é total piloto automático, tentativa de soar esperto com levada dançante e roqueira superficial. “You’ll Pay”, a outra com Noel, é um pouco melhor, mas também apresenta um certo som plástico, no qual a bateria de Carney parece operada por um autômato e o groove tenta soar esperto com timbres de teclados obscuros aqui e ali. A coisa piora no single “Beautiful People (Stay High)”, que, a exemplo de tantas outras canções recentes da dupla, mistura uma abordagem pop rock intencionalmente datada para soar esperta e contemporânea. A sorte aqui é melhor pois a melodia e o arranjo salvam a gravação da banalidade total.

 

Claro, há momentos bacanas. A psicodelia de “Fever Tree” é classuda e tem cheiro de 1971, com violões acústicos e pequenas explosões aqui e ali. “Everytime You Leave” também é legal, lembrando trabalhos mais antigos e bacanas, como “Magic Potion”, de 2006. E tem a cover soul da vez, no caso, “I Forget To Be Your Lover”, gravada por William Bell em 1969, que mantém o bom nível dos Black Keys nesse tipo de escolha, sempre com bons serviços prestados à memória soul funk americana. E tem “Paper Crown”, com participações de Beck e Juicy J, um semi-rap que tenta resgatar o projeto paralelo de Carney e Auerbach, o “Blackroc”, que rendeu um disco em 2009.

 

Auerbach e Carney parecem dois caras bacanas e bem relacionados. Têm talento e boas intenções, mas precisam, pra já, encontrar uma fórmula sonora que aprofunde seu som e confira mais veracidade ao que fazem. Daqui a pouco parecerão dois espertos reciclando velhos sons para soar relevantes. Alerta.

 

 

Ouça primeiro: “I Forgot To Be Your Lover”, “Everytime You Leave”, “Fever Tree”

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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