Reagan e Thatcher na Casa de Rui Barbosa

 

 

Vocês sabem – ou deveriam saber – que a Casa de Rui Barbosa é presidida pela ex-repórter, apresentadora e novelista Letícia Dornelles. Ela já teve passagens pela Rede Globo, Record e SBT, atuando com a produção de programas e novelas para estas emissoras. Logo, Letícia não tem qualquer experiência na área acadêmica ou na administração de um lugar como a Casa de Rui Barbosa. Situada em Botafogo, no Rio, a Casa é um centro cultural de renome nacional, um verdeiro símbolo na produção de conhecimento, divulgação da arte e da cultura nacionais.

 

Pois qual não foi a surpresa quando a presidente da instituição anunciou que o lugar sediará uma exposição sobre ronald reagan e margaret thatcher, na qual haverá palestras, painéis e mostra de peças que virão do exterior especialmente para o evento. Segundo Letícia, o Itamaraty adorou a ideia e vai dar todo o apoio. Na verdade, a semana de reagan e thatcher vai inaugurar uma série de exposições – Países e Personalidades. A alegação que Letícia deu para a escolha de da dupla fundadora do neoliberalismo foi: “eles são ídolos de muitos políticos atuais”. Segundo ela, Holanda, Portugal e Itália também devem ser retratados.

 

Esta escolha – de reagan e thatcher – certamente está longe da ingenuidade demonstrada pela presidente da Casa de Rui Barbosa. Os dois foram responsáveis pelo processo de mutação neoliberal que o capitalismo sofreu a partir da virada dos anos 1970/80, originando, entre outras coisas, a prevalência do capitalismo especulativo sobre o produtivo, o que gerou um aumento exponencial na miséria e na desigualdade das populações em vários lugares do planeta, inclusive, nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha. Com a privatização e a terceirização como motes, o neoliberalismo erodiu o antigo estado de bem estar social, que garantia uma intervenção moderada do estado na economia, liberando completamente o mercado.

 

Tal fato, apesar de ser defendido por muitos economistas, é um dos maiores gatilhos da desigualdade. Entenda-se por estado de bem estar, aquele que busca compensar os desníveis sociais com medidas de assistência, como ensino gratuito, saúde gratuita, programas de subsídio de tarifas, concessão de juros menores aos mais pobres, programas de habitação popular, enfim, mecanismos que visam não permitir o aprofundamento do abismo entre ricos e pobres. Qualquer semelhança com a política econômica atual é totalmente real.

 

O que salta aos olhos é um espaço público receber tal exposição, com o endosso do governo brasileiro, exaltando duas personalidades marcadas tão negativamente pela história. A burrice, a má fé e a conivência dos que permitiram a chegada dessas pessoas ao poder são os únicos responsáveis por este tipo de situação.

 

Tristes tempos.

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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