Anos 1990: Os Maiores Acertos da Década

Texto originalmente publicado em 14 de agosto de 2017, no Monkeybuzz.

Leia o original aqui

 

E se a gente pudesse fazer um inventário de acertos das décadas na música popular mundial, hein? Seria legal, certamente, muito pelo fato de poder olhar para movimentos e artistas com o afago do tempo, dando mais valor a algo que ficou de lado na época ou pensando melhor se a fama/fortuna de alguém foi alvo de exagero total. Quando escrevemos sobre música, fazemos esse tipo de exercício o tempo todo, uma vez que esse passar do tempo confere novas perspectivas sobre o que é feito hoje em dia. As razões e os motivos surgem mais facilmente a partir desse movimento.

 

A década de 1990 começou há 29 anos. Muita gente que me lê agora nem tinha dado as caras por aqui, mas o crítico amigo de vocês já tinha 20 anos em 10 de julho de 1990 e já ouvia música com atenção, comprava discos (estava planejando comprar seu primeiro aparelho de CD) e lia revistas compulsivamente. Foi, deste modo, uma testemunha auricular daqueles 10 anos e tenta seguir nesta condição em relação ao que se produz hoje em dia. Deste jeito, após requisição expressa do comando Monkeybuzz, fizemos um inventário positivo do que a década de 1990 trouxe de bom, procurando resgatar alguns pontos de um injusto papel coadjuvante e botando os pés de outros momentos no chão, para que não voem nas asas do exagero do tempo em que surgiram. A ideia é não ser óbvio, mas a polêmica é bem vinda.

 

 

Rock Alternativo Na Moda

Os 1990 foram os anos do Rock Alternativo na preferência mundial. Gravadoras mergulharam fundo na produção do underground, bandas emblemáticas conseguiram grandes contratos em multinacionais (Sonic Youth na Geffen, R.E.M na Warner) e um fluxo ininterrupto de artistas se estabeleceu. É verdade que tal movimento começou na década de 1980, com o próprio surgimento do conceito de “alternativo”, mas estes artistas chegaram onde nunca poderiam imaginar quando começaram suas carreiras. Foi uma quase uma regra de mercado a ser seguida mundialmente, desde Estados Unidos e Inglaterra, chegando a lugares como Brasil, Argentina, México. O Rock Alternativo foi responsável pelo último movimento do estilo, a saber, o surgimento das bandas de Seattle, Nirvana à frente, puxando a atenção do mundo para o tédio, a inadequação e o medo de um não-futuro, motivos principais para o que se chamou de Grunge.

 

 

 

Música Eletrônica para Todos

Também no fim dos anos 1980, a música Eletrônica estabeleceu-se como uma força criativa importante no Pop. Com origens em alternativas criativas/artísticas para a expressão artística sonora, a Eletrônica oitentista evoluiu de ferramenta facilitadora de estúdio para meio de expressão. A partir do Hip Hop e do House, mesclando-se com o Rock na Inglaterra do fim da década de 1980, a Eletrônica adentrou os anos 1990 com muita lenha pra queimar. Vieram subgêneros como Jungle, Drum’n’Bass, Techno, Big Beat, Trip Hop, tudo muito criativo, democrático e revolucionário, num clima de “faça você mesmo” que relativizava a produção artística, valorizava figuras de engenheiros de som e produtores, além de expandir consideravelmente o painel de fusões rítmicas, especialmente de estilos diaspóricos, como Reggae, Funk, Jazz e Soul, devidamente misturados e reprocessados, criando novos e novíssimos sons. Se comparada com a cena EDM atual, a Eletrônica noventista parece o Renascimento e a galera de hoje lembra a Idade Média.

 

 

 

Adjacentes do Britpop

Sabemos que o Britpop foi um momento legal e importante da década, ainda que tenha recebido uma forcinha especial da imprensa inglesa. Nomes como Suede, Blur e Oasis ajudaram a justificar o termo criado nas páginas da revista mas, acima de tudo, provocaram uma onda de boa vontade com o Rock produzido em terras inglesas, algo que não acontecia desde os anos 1970. O melhor mesmo foi que, a partir deste movimento, gente nem tão conectada com o Britpop teve mais visibilidade e ganhou o mundo. Lembro de comprar singles e albuns de bandas como Manic Street Preachers, Ocean Colour Scene, Cast, Ash, Dodgy e Super Furry Animals (entre outras) numa lojinha em Ipanema, Zona Sul do Rio, ainda em 1996. Como conseguiria isso sem a visibilidade cavada a partir dos pioneiros? Artistas da própria música Eletrônica também vieram nesta onda, caso de Massive Attack e Portishead, dois pontas de lança do chamado Trip Hop. Tudo parecia ser novo, inteligente, instigante e britânico. E era.

 

 

 

Hip Hop Arte

A segunda década de Hip Hop começou com grandes avanços criativos dentro do estilo. Fusões e misturebas de todos os tipos davam conta de um momento dourado para a música das ruas e dos guetos. Bandas como De La Soul, A Tribe Called Quest, Digable Planets, Arrested Development e artistas como Guru, vinham se juntar aos vigentes Public Enemy e Beastie Boys. A ordem era dar uma espécie de “versão Hip Hop” para várias sonoridades e identidades, o que aconteceu especialmente com a aproximação do gênero com o Jazz e a Psicodelia, gerando híbridos sensacionais e historicamente criativos. Podemos dizer sem medo de erro que, ao lado da música Eletrônica, o Hip Hop da primeira metade dos anos 1990 está entre as formas mais criativas, democráticas e anárquicas da história da música popular.

 

 

 

Radiohead Raiz

Surgido em Oxford, Radiohead nem imaginava que seria o Messias da crítica musical ao fim da década de 1990, quando lançasse seu terceiro disco, “OK Computer”. O que poucos lembram é que o grupo de Thom Yorke e dos irmãos Greenwood surgiu como uma interessante banda que tinha como espelho o trio norte-americano Nirvana. O primeiro disco dos sujeitos, “Pablo Honey”, de 1993, cravou aquele que é seu maior hit até hoje, “Creep”, cuja lembrança do crítico musical é de ver Radiohead tocando a canção num programa praiano da MTV americana, ao vivo, visivelmente fora de seu elemento natural, mas seguindo as orientações vigentes para bandas iniciantes que emplacam sucessos nas paradas sem ninguém esperar. O disco ainda trazia outra duas ótimas canções, “Stop Whispering” e “Anyone Can Play Guitar”, que nos deixava esperançosos para ver aonde aquela gente ia parar. A chegada de “The Bends” em 1995 mostrava que Yorke e cia. tinham jeito para aliar melodia e guitarras, além de mostrarem-se interessados pela Eletrônica, algo que era inevitável, mas que apenas poucos tinham fluência. Vieram canções como “High And Dry”, “Planet Telex” e o sucesso “Fake Plastic Trees” que mudou o Radiohead de prateleira no Rock inglês. Com a chegada de “OK Computer”, quase dois anos depois, a banda quase foi engolida por sua criatura, deixou de lado a abordagem inicial da carreira e enveredou por outros caminhos. Há quem prefira estes primeiros dois álbuns a tudo o que eles fizeram depois.

 

 

 

Teenage Fanclub da Massa

O coração indie bateu mais forte quando ouviu Teenage Fanclub pela primeira vez. Com um disco de estreia “Catholic Education” (1989), que chegou depois da badalação em torno do sensacional segundo álbum, “Bandwagonesque” (1991), os escoceses transformaram-se em força criativa da década, empunhando a bandeira pouco provável do Power Pop. Sim, com influências declaradas de Beatles, Big Star e Byrds, TFC respondeu a chamados nunca verbalizados de almas torturadas pela solidão, pela contemplação silenciosa e tímida da pessoa amada e tudo mais que isso envolve. Guitarras mamúticas adornavam melodias perfeitas e solares por todos os cantos dos álbuns iniciais. A chegada de “Thirteen” (1993) e, especialmente, “Grand Prix” (1995), confirmou o grupo escocês como porta-voz de gente que ainda acreditava no amor. As canções são inestimáveis e seguem vivas até hoje, de “The Concept” a “Neil Jung”, de “Metal Baby” a “Sparky’s Dream”. Como se não bastasse, o grupo ainda soltaria outro belo álbum na década, “Songs From Nothern Britain”, em 1997.

 

 

 

Neil Forever Young

Neil Young chegou mordido nos anos 1990 após uma década muito confusa. A partir de um álbum em que visava retomar seu rumo, perdido após muitos discos estranhos e mal pensados, o velho canadense soltara “Freedom”, logo em 1989 e ganhou fôlego para ter seu talento e importância reconhecidos por bandas da novíssima geração, a partir de um disco tributo chamado “The Bridge”, no qual gente como Pixies, Dinosaur Jr e Sonic Youth, entre outros, atualizava e se derretia por suas canções. A aproximação maior com os novaiorquinos conceituais veio no disco seguinte, “Ragged Glory” (1990), no qual Young se entregou novamente às distorções de guitarra que tanto influenciaram, não só Sonic Youth, mas quase todo mundo que surgia naquela década. Esta figura renovada deu a Neil a chance de assumir uma posição de pajé/presidente dessa turma, levando-o a excursionar com a banda e seguir oscilando em maior segurança entre suas duas personas/estilos preferidos e norteadores, o Folk e o Rock. A oposição entre eles vinha registrada nos discos, “Harvest Moon” (1992), “Sleep With Angels” (1994) e “Mirrorball”, no qual gravou acompanhando por Pearl Jam, que não teve seu nome creditado no disco.

 

 

 

A Lindeza do R&B 90’s

Em paralelo ao Hip Hop, o crescimento/formação do R&B mudou bastante ao longo dos anos 1990. Também registramos o surgimento de novidades a partir da aproximação com a Eletrônica vigente na época e, acima de tudo, com as vertentes que surgiram a partir disso, como o New Jack Swing ou Swingbeat, que pavimentaram o caminho para toda uma nova e urbana forma de R&B, que dominou não só medalhões como Michael Jackson e sua irmã, Janet Jackson, mas também lançou gente novíssima no mercado, especialmente produtores/cantores, como Babyface e Teddy Riley. A partir disso, sensacionais artistas vieram em profusão, gravando álbuns sensacionais e emplacando singles nas paradas de sucesso. Podemos citar TLC, com “Waterfalls”, En Vogue, com “My Lovin” e gente ainda mais adiante na questão criativa/fusões, como Neneh Cherry, que surgira com o hit “Buffalo Stance” em 1989 e emplacaria dois álbuns sensacionais, “Homebrew” (1992) e “Woman” (1995), com experimentação e entrega total ao uso de samplers com inteligência.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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