O imparável The War On Drugs

 

 

The War On Drugs – I Don’t Live Here Anymore

Gênero: Rock alternativo

Duração: 52:20 min.
Faixas: 10
Produção: Adam Granduciel
Gravadora: Atlantic

5 out of 5 stars (5 / 5)

 

 

 

Antes de começar a ler este texto, um aviso: vá ouvir “I Don’t Live Here Anymore” imediatamente. Depois que terminar, volte.

 

Voltou? Então vamos lá. O The War On Drugs pertence a uma geração de ótimos artistas e bandas americanos como Real Estate, Beach House, Fruit Bats, Kurt Vile, entre vários outros. É uma galera talentosa ao extremo, fiel às inspirações oitentistas de praxe, mas com duas características decisivas para escapar gloriosamente da cópia: capacidade de se apropriar dessas inspirações e intuição para misturá-las entre si e com outras fontes, gerando sonoridades que a gente jura que são novas. Vejamos, por exemplo, o próprio The War On Drugs, que é, na verdade, o cantor, compositor, guitarrista e pequeno mago de estúdio, Adam Granduciel. Em sua mente habitam os primeiros discos dos Waterboys, diferentes fases da carreira de Bob Dylan – especialmente o início dos anos 1970 – alguma outra banda oitentista, talvez o Simple Minds inicial, lampejos de Tom Petty, pinceladas de Bruce Springsteen dos anos 00, quem sabe alguma lembrança perdida do Fleetwood Mac do fim dos anos 1970…Com este leque de inspirações e um talento próprio para compor melodias perfeitas e letras belíssimas, sempre sobre passado, lembranças e mudanças, Granduciel é um grande cara.

 

Seu projeto começou em 2003, quando ele e Kurt Vile decidiram montar uma dupla, que logo se transformou em grupo. Era o próprio The War On Drugs, que começava mais como uma banda que tentava decalcar soniridades shoegaze mais noventistas e tristes. Foi só no terceiro álbum, “Lost In The Dream” (2014) que Granduciel, tocando o grupo como um projeto solo, chegou ao som que mantém até hoje: este grande rock perfeito, ao mesmo tempo intimista, mas com grandes/enormes refrãos e linhas de guitarra e teclados, maiores que a vida. E o álbum seguinte a este, “A Deeper Understanding”, além de ampliar este conceito, levou o grupo a ganhar um Grammy e abiscoitar um tipo de sucesso que jamais se imaginaria. E quando a gente pensa que a fama e a exposição podem mudar a cabeça de todos os artistas no planeta, Granduciel ressurge com um disco tão lírico e belo quanto estes dois álbuns anteriores. “I Don’t Live Here Anymore” é uma procissão das constantes lembranças e mudanças que são as musas de Adam. E a música que ele está compondo para emoldurar suas reflexões, senhoras, senhores, moças, rapazes e demais configurações, é perfeita.

 

Este é um daqueles discos em que não há qualquer forma de desperdício. Adam convida o ouvinte a mergulhar em sua mente por via de música e de seu trabalho impressionante no estúdio. São camadas e mais camadas de instrumentos e timbres, tudo tão bem pensado e fluido que a gente fica até desconcertado. As inspirações vão passando em nossos fones de ouvido como se estivesse num desfile mas, como já dissemos, jamais são óbvias ou simples. Tudo está subentendido, interpretado, revivido, assimilado pela mente de Granduciel e ele é generoso o bastante para fazer deste processo pessoal e intransferível algo do qual o ouvinte pode compartilhar. Há canções aqui que são impressionantes de tão belas, não só para tempos tão obtusos como os nossos, como para o próprio rock enquanto estilo ainda viável em 2021 e além. A recomendação parece ser: abrace e entenda suas influências, torne-as suas, coloque seu coração em tudo e vá em frente. Parece ingênuo, eu sei, mas é o que a música do The War On Drugs faz a gente pensar. É uma odisseia com final feliz e beijo da pessoa amada.

 

Difícil mas não impossível recomendar alguns momentos altíssimos aqui. Minha preferida é “Rings Around My Father’s Eyes”, reflexão sobre tristeza, arrependimento e vida escorrendo pelas nossas mãos. Inevitável como o sol escorregando pelo céu. Tem “Victims”, um colosso de seis minutos, épica e gloriosa como atingir o seu grande objetivo num ano, numa fase da vida. Pode funcionar como a mais perfeita síntese da sonoridade do álbum, com tudo o que passa pela mente de Granduciel surgindo ao mesmo tempo na sua frente. Os singles são sensacionais: “Living Proof”, cheia de fotos em preto e branco na tela que se ergue para ouvi-la passar; “Harmonia’s Dream”, bela e perfeita irmã muito mais nova de uma canção inexistente do Fleetwood Mac com vocais de Bob Dylan. E a faixa-título, com um riff de guitarra que a gente já ouviu mil vezes e que soa perfeito sempre.

 

Tudo aqui é irretocável e impressionante. “I Don’t Live Here Anymore” chega como um dos mais sérios concorrentes a grande disco de 2021, uma verdadeira maravilha para ouvidos cansados ou descrentes. Maior que a vida.

 

Ouça primeiro: tudo.

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *