Playlist Comentada – Dia da Consciência Negra

 

 

Hoje, dia 20 de novembro, é o Dia da Consciência Negra. A ideia da data é dar significado à cultura negra na formação do povo brasileiro, mantendo suas tradições, refletindo sobre seu papel na nossa sociedade e, mais que tudo, resgatando o significado da presença dos antepassados africanos na formação do Brasil. Ao contrário do 13 de maio, quando é celebrada a abolição da escravatura, o 20 de novembro é uma data absolutamente negra, aniversário de Zumbi dos Palmares, sem qualquer interferência de outra pessoa. A abolição significou tudo, menos a conscientização do povo negro. Foi, na verdade, um momento em que a sociedade brasileira – mais uma vez – cruzou os braços para a situação dos escravos libertos, atirando-os numa conjuntura em que era impossível que tivessem alguma chance de viver com dignidade. O resultado está aí, diante dos nossos olhos, todos os dias.

 

Por isso, fizemos uma playlist bem generosa, com 54 canções de vários artistas brasileiros ou não, mostrando a exuberância da música pop negra no século 20 e no atual. Temos soul, funk, pop, rap, samba, reggae, blues, jazz, ou seja, uma multiplicidade de ritmos negros, retintos, para que celebremos e, respeitosamente, com isso, possamos contribuir de alguma forma para com a data, a causa, seu sentido e significado.

 

Axé.

 

 

– Marvin Gaye – “Inner City Blues” – talvez a canção mais tristemente atual de todos os tempos. Marvin, 1971, refletindo sobre o papel do negro nos Estados Unidos pós-hippie, desiludido e frustrado.

 

– Bob Marley and The Wailers – “Zimbabwe” – esta canção foi cantada por uma multidão que celebrou a independência do Zimbábue em 1980. Bob e sua banda foram convidados de honra para a festa.

 

– Tim Maia – “Rodésia” – antes de ser Zimbábue, o país africano era chamado de Rodésia, por conta do coronel Cecil Rhodes, oficial e empresário inglês, responsável pela morte de milhões de nativos.

 

– Jorge Ben – “Zumbi” – faixa do sensacional disco “Tábua de Esmeralda”, com Jorge exaltando o dono do dia 20 de novembro. “Zumbi é o senhor das demandas”.

 

– Fela Kuti – “Zombie” – o fundador do afrobeat em seu momento máximo, à frente de um timaço de músicos, fazendo história.

 

– Rappin’ Hood – “Sou Negrão” – da periferia de São Paulo chega a pioneira mistura de rap com samba feita no país. Rappin’ Hood é um talento que nunca teve o merecimento devido. Com participação luxuosa de Leci Brandão.

 

– James Brown – “Say It Loud – I’m Black And I’m Proud” – o hino da resistência negra a partir de 1968, com o maior astro da música negra daquele tempo assumindo seu papel na luta.1

– The O’Jays – “Ship Ahoy” – uma das bandas mais sensacionais do chamado Philly Soul em momento de total engajamento anti-escravidão.

 

– George Clinton – “Atomic Dog” – o cérebro louco por trás do Parliament e do Funkadelic em carreira solo e fazendo o mesmíssimo – e genial – som.

 

– Gilberto Gil – “Refavela” – o maior artista negro em atividade no país faz sua versão musical do Black Rio e da mudança de pensamento sob a luz da diáspora negra em pleno 1977.

 

– Curtis Mayfield – “We Are The People Who Are Darker Than Blue” – talvez o momento mais engajado e emocionante da discografia de Curtis Mayfield, um mestre e um gentleman do soul americano de todos os tempos.

 

– Rage Against The Machine – “Renegades Of Funk” – o grupo da Califórnia pega o original de Afrika Bambaataa, enfia guitarradas cortantes e faz algo ainda melhor, com uma homenagem a todos que se levantaram contra o sistema.

 

– Grandmaster Flash – “The Message” – um revolucionário da cultura negra de rua em seu ponto fulcral de mudança, mostrando a uma multidão de pessoas que elas poderiam sim, ser artistas e contribuir com a música.

 

– Kurtis Blow – “Daydreaming” – outro momento sensacional do rap em seu nascedouro, com o uso massivo de samples, vocais canto-falados, mas aqui em forma de uma balada perfeita.

 

– Miles Davis – “Shh/Peaceful” – talvez um dos momentos mais impressionantes, não só da carreira de Miles mas do jazz como estilo. Um arraso, impressionante, até hoje não igualado.

 

– Sly And The Family Stone – “If You Want Me To Stay” – a mistura perfeita entre soul, rock, psicodelia e malandragem. Sly e sua família no auge.

 

– Banda Black Rio – “Mr Funky Samba” – a fusão entre funk e samba foi um achado dos nossos músicos, da nossa gente, algo que só ocorreu aqui. Clássico.

 

– Billy Paul – “Am I Black Enough For You?” – um dos soulmen mais populares da Filadélfia em um momento de engajamento total pela causa da negritude.

 

– Isley Brothers – “Harvest For The World” – venerável banda de irmãos em momento de convocação para pensarmos nas crianças, nos desabrigados e nos famintos.

 

– Gerson King Combo – “Mandamentos Black” – o soul brother número um do Brasil, uma pessoa cativante, um cantor talentoso e mitológico. Aqui é seu magnum opus.

 

– Toni Tornado – “Me Libertei” – o gigantesco soulman em seu momento mais inspirado e ainda pouco lembrado. Letra perfeita, suíngue contagiante, momento necessário.

 

– Stevie Wonder – “He’s Misstra Know-It-All” – o virtuoso multiartista da Motown em um de seus momentos de crítica política, no caso, atacando o governo de richard “tricky dick” nixon.

 

– Harold Melvin And The Bluenotes – “Wake Up Everybody” – a convocatória para pensar num mundo melhor a partir dos planos mais simples que você faz quando acorda pela manhã. Uma lindeza.

 

– John Legend e Common – “Glory” – tema do filme “Selma”, vencedora do Oscar, essa canção é um achado de beleza e força.

 

– Gilberto Gil – “Ilê Ayê” – o mestre volta com um canto dos blocos de rua de Salvador nos anos 1970, quando o engajmento na luta vinha forte.

 

– Arrested Development – “Tennessee” – grupo de rap americano revolucionário, que misturou as batidas do estilo com algo de country music e referenciais do interior do país.

 

– Eric B & Rakim – “Paid In Full” – grande momento do hip hop oitentista, numa versão remixada revolucionária, que pavimentou o caminho para muito do que foi feito nos anos 1990.

 

– Jimmy Cliff – “The Harder The Come” – a trilha sonora de “The Harder They Come” é um marco do reggae e a canção-tema é um dos maiores sucessos da carreira de Jimmy Cliff. Resiliência, não. Resistência.

 

– Thaíde e DJ Hum – “Senhor Tempo Bom” – o inventário emocional e factual dos bailes e das músicas black soul da São Paulo setentista. Perfeito.

 

– Parliament – “Give Up The Funk” – o próprio funk psicodélico, dançante até os ossos, celebratório, engajado e único. George Clinton, Bootsy Collins e companhia.

 

– Jimi Hendrix Experience – “Fire” – o momento inicial de Jimi Hendrix não poderia ser mais revolucionário. Blues, rock, soul, porradaria, tudo aqui.

 

– Muddy Waters – “Mannish Boy” – a voz profunda, grave, como se fosse o próprio tempo, sobre a guitarra pesadíssima que o acompanha. Um clássico atemporal do blues.

 

– Sam Cooke – “Chain Gang” – o homem que tinha a voz mais bela de seu tempo, cantando ao vivo, o canto dos prisioneiros negros da beira da estrada no sul dos Estados Unidos.

 

– Paulinho da Viola – “Argumento” – o cavalheiro do samba carioca percebendo a mudança que o samba vivia, mas pedindo para “ir com calma”.

 

– Gil Scott-Heron – “The Revolution Will Not Be Televised” – a crônica do início dos anos 1970, em que a revolução estourava nas esquinas mas jamais seria televisionada. Antológico.

 

– Quincy Jones – “What’s Going On” – a versão jazzística, soul, polida e psicodélica do clássico de Marvin Gaye pelas mãos de Quincy.

 

 

– Zé Manoel – “História Antiga” – uma das canções mais importantes gravadas em 2020 no Brasil. A letra, o arranjo, tudo é seríssimo e perfeito.

 

 

– Aretha Franklin – “Rock Steady” – a suprema sacerdotisa do soul em um momento totalmente vigoroso e funky.

 

 

– Earth, Wind And Fire – “Reasons” – balada aveludada com vocais impressionantes de Phillip Bailey, mostrando que o amor também é revolucionário.

 

 

– Sun – “Sun Is Here” – grupo da Filadélfia cuja fusão de disco e funk é patrimônio afetivo deste que vos escreve.

 

 

– Tavares – “Straight From Your Heart” – outro grupo sensacional que fundia soul e disco, aqui num momento tardio, mas ainda muito dançante e perfeito.

 

 

– Barry White – “Look At Her” – o momento mais disco de Barry White, faixa de seu ótimo álbum “The Man”, de 1978. Tesouro afetivo, dançante e sentimental.

 

– Lou Rawls – “See You When I Get There” – uma das vozes mais lindas da música de todos os tempos, sob a influência do Philly Soul. Clássico.

 

– Lauryn Hill – “Doo Wop” – canção abençoada de Ms. Lauryn Hill misturando influências do passado e a pujança do hip hop do fim dos anos 1990.

 

– Living Colour – “The Glamour Boys” – um clássico do rock, do funk e da negritude novaiorquina do fim dos anos 1980.

 

– Black Pantera – “Todo Camburão Tem Um Pouco de Navio Negreiro” – banda brasileira chegando com o pé na porta e revendo com peso e rapidez o clássico do Rappa.

 

– Luiz Melodia – “Juventude Transviada” – o poeta do Estácio, o mito das esquinas, o homem de ébano em uma crônica da modernidade que já passou.

 

– Mahmundi – “Eterno Verão” – prova da excelência do trabalho de Mahmundi no terreno do pop de teclados, carioquice e verão eternos.

 

– Djavan – “Asa” – em 1986 Djavan era um dos grandes nomes da música nacional, figurinha fácil entre músicos de jazz e funk americanos. Aqui talvez seja seu ponto mais alto.

 

– Ed Motta – “Sombras do Meu Destino” – faixa de seu segundo disco, esta canção brinca com instrumentais e arranjos que têm parentesco direto com Marvin Gaye em 1971.

 

– George Benson – “Give Me The Night” – talvez o momento mais memorável da carreira de George e de Quincy Jones como produtor. Um colosso dançante.

 

Sandra de Sá – “Olhos Coloridos” – clássico que abriu o caminho para a carreira de Sandra, trazendo poesia sobre o preconceito racial explícito e implícito na sociedade brasileira.

 

Lady Zu e Totó – “Hora de União” – clássico que celebrava a união entre blacks e negros no Brasil do fim dos anos 1970. Maravilha cotidiana.

 

Milton Nascimento – “Clube da Esquina nº2” – um instrumental impressionante e a voz de Milton fazendo solfejos constituem esta que é uma das canções mais belas de todos os tempos. E funciona muito mais sem a letra que ganhou depois.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

5 thoughts on “Playlist Comentada – Dia da Consciência Negra

  • 20 de novembro de 2020 em 23:00
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    Ficou show, parabéns!

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  • 20 de novembro de 2020 em 15:03
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    Tá perdoado. Rs… Ah, e parabéns pelo conteúdo, linha editorial, posicionamento político!

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  • 20 de novembro de 2020 em 14:04
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    Baita lista, mas nem umazinha do Bituca?

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    • 20 de novembro de 2020 em 14:14
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      Rapaz, vc acredita que foi puro esquecimento. A injustiça já foi corrigida. Obrigado pelo comentário.

      Resposta

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