Reflexões lo-fi de Juliana Hatfield

 

 

Juliana Hatfield – Blood

Gênero: Rock alternativo

Duração: 33:30 min
Faixas: 10
Produção: Juliana Hastfield
Gravadora: American Laundromat

4 out of 5 stars (4 / 5)

 

 

 

Interessante época os anos 1990. Eu tenho uma sensação bem peculiar sobre este período: sempre acho que deixei algo lá, perdido. Não sei se foi a inocência, não sei se foi uma identidade, dessas que a gente larga pelo caminho…O fato é que ouço algumas músicas e/ou alguns artistas daquele tempo e esta impressão volta. Assim é com Juliana Hatfield e eu não sei explicar o motivo. Nunca fui fã da moça, mas sempre reconheci nela um talento. A conheci como uma colaboradora dos Lemonheads, banda que era liderada por Evan Dando e que estourou nos meios alternativos no início daquela década, com o ótimo disco “It’s A Shame About Ray”, justo quando deu uma guinada em direção ao pop folk de guitarras. Juliana aparecia no disco, especialmente numa musiqueta pequena, chamada “Bit Part”, gritando, furiosa, logo no início: “I just want a bit part in your life”. Ela participaria do álbum seguinte, “Come On Feel The Lemonheads” e soltaria um trabalho solo – o terceiro de sua carreira – “Only Everything” – que chegou a sair aqui, salvo engano. Os outros dois, “Hey Babe” (1992) e “Become What You Are”, do ano seguinte, se tornaram itens que eu aluguei na saudosa Video Game Center, num tempo em que o acesso a estes discos – importados, todos – era mais fácil dessa forma. A partir daí, perdi o contato com Juliana.

 

O que nos leva a este simpaticíssimo “Blood”. Quando a Célula Pop entrou no ar, em fevereiro de 2019, “Weird”, disco lançado por Juliana no fim do ano anterior, foi um dos primeiros a ganhar resenha. Pouco antes ela soltara um tributo simpático a Olivia Newton-John e, pouco depois, um ao The Police, ambos com produção caseira e afeto de sobra. Estes dois álbuns despertaram a curiosidade para a cantora, que já iniciara a produção deste “Blood”, que foi realizada e concluída durante a pandemia. Tal fato obrigou Juliana a assumir a cadeira de produtora e aprender a manusear pequenas engenhocas sonoras – baterias eletrônicas e demais trecos musicais – para que desse roupagem definitiva às canções que vinha escrevendo, todas elas muito vinculadas, não só ao horror da covid-19, mas aos inúmeros problemas vividos na América sob o governo trump, que tratou pessimamente da doença. Sem falar em todas as questões sociais e econômicas que também vieram com sua administração.

 

Deste jeito, “Blood” é, ao mesmo tempo, simples de arranjos e rico de temática, mas nada desta simplicidade significa pobreza melódica ou falta de criatividade por parte de Juliana. Na verdade, o resultado obtido em termos musicais é muito bacana, dando um ar lo-fi à empreitada, algo que é novo na carreira da moça. Além disso, sua verve de compositora sempre encontra um jeito de aparecer e confirmar seu talento. Um bom exemplo desse binômio é “Gorgon”, um dos primeiros singles a sair, que ostenta uma melodia grudenta, arranjo de pianos que vão sendo envolvidos por guitarras crocantes. Não vai mudar a sua vida, nem te fazer cantar do alto do prédio, mas deve colocar um sorriso em seu rosto. O mesmo deve acontecer com a faixa seguinte, a fofa e trocadilheira “Nightmary”, que vai no mesmo estilo dos tecladinhos lo-fi emoldurando melodia grudenta.

Ainda que este clima predomine no álbum, há uma surpresa para os fãs mais velhuscos. As três últimas canções lembram bastante aquele clima de nostalgia noventista que é quase inevitável. O single “Mouth Full Of Blood” é uma pequena pérola folk pop que parece saída daquele 1992/93 que projetou a cantora para o mundo. “Dead Weight”, logo após, é mais invocada, com guitarras mais abrasivas, porém temperadas com teclados. A voz de Juliana também vai na mesma direção, usando bem as alternâncias de timbre, conseguindo belos momentos. A última canção, “Torture”, é mais lenta, hipnótica e evocativa, mostrando que há mais refinamento na mistura sonora do que a simplicidade alardeada faz supor. Ao fim do álbum, o ouvinte tem a sensação de encontrar uma velha conhecida, devidamente transformada pela vida.

 

“Blood” é um disco verdadeiro e interessante. Suas canções são simpáticas, te recebem de braços abertos, oferecendo um retrato nítido de sua autora. Quem já conhece Juliana de outros carnavais, vai se sentir em casa. Quem está procurando uma alternativa interessante para os tempos superexpostos de hoje, provavelmente vai fazer uma nova amiga.

 

Ouça primeiro: “Mouth Full Of Blood”, “Torture”, “Gorgon”

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

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