PJ Harvey – Dry Demos
Gênero: Rock alternativo
Duração: 39 min.
Faixas: 11
Produção: Rob Ellis, PJ Harvey
Gravadora: Universal
(4,5 / 5)
“Dry” chegou em 1992 como uma bomba em meio ao estouro da boiada grunge/alternativa. Ninguém havia ouvido falar de Polly Jean Harvey, aquela menina inglesa com aparência frágil, que chegava meio sem eira nem beira ao cenário musical. Uma audição superficial do álbum já mostrava que ali estava uma obra de extrema força e intensidade. A voz de PJ saltava aos ouvidos em meio a um oceano de aparente simplicidade musical, parecendo uma cruza improvável entre Janis Joplin e Bjork, sendo que essa última, despida completamente de qualquer moldura eletrônica ou exótica. O que se ouvia das onze faixas de “Dry” parecia a verdade, a crueza, a última fronteira, o piéce de resistance de uma artista impressionante e ainda desconhecida. Pois bem, quase 30 anos depois, já sabemos quem é Polly e o que ela já fez/fará. Por isso mesmo, ouvir as demos desde primeiro trabalho é refrescante e sensacional.
Se as gravações oficiais do disco já impressionavam pelo calibre da sinceridade/autenticidade que emanavam, as demos, registradas meses antes, são ainda mais sensacionais. Com apenas a voz de PJ e o acompanhamento variando de violão, guitarra e algum violino ocasional, ficamos imersos num oceano de densidade impressionante, pois parecia que ela estava gravando como se fosse morrer no dia seguinte. Não por acaso, ao dar entrevista em 2004, doze anos após o lançamento de “Dry”, Polly confirmou esta sensação de urgência: “eu achava que jamais teria outra chance de gravar um disco e havia demorado muito pra conseguir esta oportunidade. Então eu dei tudo que tinha e a intensidade ficou muito grande”. Sim.
As demos provam que a grandeza da presença de Polly eram o grande diferencial. Por mais que a banda enxutíssima em estúdio – pilotado pelo baterista Rob Ellis e por ela mesma – fornecesse apenas o essencial e isso foi um dos charmes do álbum, fica evidente que a voz e a própria personalidade da cantor são definitivas e definidoras. Tal certeza se traduz no crescimento impressionante que algumas canções registram nessas versões rascunhadas – que, em sua maioria, parecem muito bem gravadas, encorpadas e focadas. Se todo mundo fizesse demos assim, o mundo seria um lugar melhor.
As favoritas pessoais deste que vos escreve ressurgem adoráveis, cheias de charme balzaquiano, caso explícito de “Sheela-Na-Gig”, uma cacetada na orelha, que tem seu caráter extremamente feminino colocado em interessante perspectiva diante da roupagem acústica, contrastando com a origem da expressão britânica que lhe dá título. “Joe”, outro caso de canção sensacional, tem uma demo muito bem pensada e executada, quase próxima da versão final, que foi para o álbum em 1992. A alternância de barulho e calma persiste na versão rascunhada, dando um tom sensacional. “Fountain”, a terceira preferida da casa, tem uma aparência de caos antecipado, com leveza inicial que vai perdendo espaço para a voz de PJ passar tal qual um trator sobre a mansidão.
“Dry Demos” é uma ótima maneira de revisitar a sonoridade de Polly, servindo como primeiro prato de um banquete no qual ela irá revisitar todas as suas demos e relançar a discografia em vinil. Ouvindo “Dry” em 2020, não admira que PJ encontrou refúgio mais na sonoridade grunge/alternativa e não no nascente britpop. Sua música é universal e lancinante. Uma porrada certeira neste 2020 horrível.
Ouça primeiro: “Sheela-Na-Gig”
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.