Digitaldubs liberta Lula nas pistas do reggae
O texto abaixo foi publicado pelo jornalista Carlos Albuquerque em seu blog, no dia 1º de novembro último, neste link .
Calbuque é uma das minhas grandes influências como jornalista musical/cultural e uma grande inspiração. Com sua permissão, reproduzo a matéria na íntegra. É uma honra ter algo seu aqui na Célula Pop.
Preso desde abril de 2018, após uma intensa campanha de ódio e um controverso julgamento, o ex- presidente Luís Inácio Lula da Silva tem recebido, desde então, diversas mensagens de apoio, do Brasil e do exterior. A mais recente delas tem um embalo diferente: é o reggae “Lula livre”, produzido pelo soundsystem carioca Digitaldubs, em parceria com o cantor jamaicano Earl Sixteen.
Lançada em formato dubplate (exclusivo para os bailes, uma tradição das equipes de som dedicadas ao gênero jamaicano), a música foi gravada em setembro deste ano, em Londres, durante a recente turnê do coletivo, liderado pelo DJ e produtor Marcus MPC, pela Europa. Depois de ser tocada algumas vezes no exterior, ela foi “inaugurada” no Brasil durante uma performance do Digitaldubs no Festival Multiplicidade, no Rio. Após mais algumas execuções nas pistas, “Lula livre” – inspirada na música “Free Mandela”, feita pelo jamaicano Yami Bolo, em 1986 – teve uma versão editada compartilhada esta semana por MPC nas redes sociais do Digitaldubs. E desde então, não para de ecoar, sendo, inclusive, divulgada pela página oficial de Lula.
– A ideia era mesmo deixar a música apenas no formato dubplate, pra tocar só nos bailes do Digitaldubs – conta MPC. – Mas teve um momento em que achei que ela tinha que chegar em mais pessoas. E aproveitei que era aniversário do Lula (27/10) para soltar essa versão editada no Youtube.
Segundo ele, a ideia de fazer essa versão existe há tempos, já que “Free Mandela” tem presença constante nos bailes do Digitaldubs, muitas vezes tocada em sua versão instrumental, com MPC e os MCs do coletivo fazendo intervenções e comentários por cima da base.
– A gente sempre tenta contextualizar o que estamos tocando com as coisas que estão acontecendo no momento. E sempre pensei na conexão dessa música do Yami com a história do Lula. Mas faltava encontrar a voz certa pra regravar a música.
O encontro com Earl Sixteen, em Londres, foi a peça que faltava. Parceiro do Digitaldubs, com o qual já gravou e excursionou pelo Brasil, o cantor aceitou imediatamente o convite de MPC.
– Falei para o Earl que queria fazer essa versão, que tinha refeito a base e rascunhado uma letra, mas que era para ele escrever da forma dele – lembra MPC. – Ele sabia por alto da prisão do Lula, mas não sabia dos detalhes. Mas em setembro, na Europa, tava todo mundo falando das queimadas na Amazônia e nesse cara aí que tá no comando. Era o assunto do momento. Isso fez ele se empolgar ainda mais, escrevendo a letra na hora, enquanto a gente gravava no estúdio improvisado na casa onde eu estava hospedado.
Desde o seu lançamento não oficial, a música tem recebido, de acordo com MPC, “90% de comentários positivos”, seguidos por outros nada elogiosos, como era de se esperar.
– Quem, comenta de forma agressiva, baixando o nível, eu deleto na hora, não vou abrir espaço pra energias negativas nas redes do Digitaldubs. Quem vem discordando, mas de boa, de forma educada e respeitosa, deixo para o povo conversar, respeitando a opinião de cada um – conta ele. – O reggae tem uma ala que é totalmente antissistema, que não aceita conexão com político algum, mas eu discordo. A luta política faz parte da história do reggae e da música jamaicana, seja através de citações de Nelson Mandela, Marcus Garvey e outros personagens. E venho tentando esclarecer que essa música não é parte de uma campanha política pelo Lula e sim um libelo por justiça, independente de você gostar dele ou não, de ter votado nele ou não.
O lançamento oficial da música, porém, ainda não tem data, garante o produtor.
– Por enquanto, vamos deixar no YouTube e nos outros canais do Digitaldubs. E os DJs que quiserem tocar a faixa na íntegra, podem fazer contato que mandamos ela completa. Mas não vai demorar pra liberarmos a versão oficial.
Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.