O disco do Finis Africae pela EMI

 

 

 

Recupero texto escrito em 8 de julho de 2013, quando eu tinha uma coluna no Monkeybuzz, chamada Cadê, na qual eu listava álbuns que nunca saíram em CD. O disco do Finis Africae, lançado em 1986, pela EMI, foi um deles. Outro dia, no entanto, descobri que o dito cujo está disponível via streaming, daí, matei a saudade. Lembro de comprá-lo em LP na saudosa Copadisco e, anos depois, emprestar para um colega de trabalho que nunca mais o devolveu. Perdi o disco, mas a memória o tem em alta conta.

 

Em tempo: em 2022, a banda se reuniu, deu show no Teatro Rival, no Rio de Janeiro, entre outros lugares e lançou alguns singles. Esperamos que o Finis volte com força total a qualquer momento.

 

 

Precisamos cuidar de uma pequena memória musical, de alcance não tão longo. Discos lançados no Brasil são coisas muito grandes para esquecer e devem estar vivos na nossa lembrança ou, quem sabe, na das outras pessoas. Portanto, essa é nossa pequena contribuição: falar de álbuns nacionais que sumiram na poeira, que nunca saíram em CD ou que saíram e nunca mais foram reeditados. Num tempo em que o próprio formato de disco – com dez, doze canções – é colocado em dúvida pela modernidade, vamos meter a mão na massa e resgatar essas pequenas pérolas toda semana.

 

 

 

É bem provável que você nunca tenha ouvido falar nesta banda. Saiba, entretanto, que o Finis Africae foi uma banda de Brasília, apadrinhada por Capital Inicial, Plebe Rude e Legião Urbana, com proposta sonora ambiciosa, que contemplava a fusão de ritmos percussivos com o Pós-Punk anglo-brasiliense praticado no país em 1985/86. Talvez seja surpresa ter ciência de que o Finis vendeu cerca de 100 mil cópias naquela época e, após dois anos, desapareceu.

 

 

Em 1985, se você sintonizasse a Rádio Fluminense FM, provavelmente daria de cara com músicas como Ética e Van Gogh. Elas faziam parte da coletânea Rumores, um daqueles discos pau de sebo para avaliar desempenho de bandas novas em rádio e TV e lançá-las posteriormente em disco ou EP. Com nome em latim (que significa “nos limites do continente africano”) e baseado em referência literária de Umberto Eco, Alexandre Saffi, Neto Pavanelli, Rodrigo Leitão e Ronaldo Pereira se juntaram para levar adiante a tal ideia de fundir ritmos percussivos, Reggae e Funk com Rock.

 

 

Os rapazes saíram dos subterrâneos da Capital Federal por conta do burburinho feito por Renato Russo e Hermano Vianna (irmão de Herbert), totalmente encantados pela mistura sonora que o Finis praticava. Em pouco tempo estavam tocando em danceterias e palcos de Rio e São Paulo. Participar da Rumores foi o próximo passo natural e, como as canções tiveram boa penetração junto ao público mais alternativo. Pouco tempo depois, no entanto, Rodrigo Leitão deixaria a banda e Eduardo de Moraes assumiria suas funções. Em 1986, a banda lançava o primeiro EP, com seis faixas, entre elas, Armadilha, que se tornaria o grande sucesso do grupo. Com o sucesso obtido e uma mãozinha do amigo Renato Russo, a EMI acabou contratando o Finis para o seu elenco.

 

 

Logo seria lançado o primeiro disco, homônimo, com a produção de Mayrton Bahia, mesmo produtor da Legião Urbana naquela época. Finis Africae, disco, vinha com regravações de parte do repertório do EP, além de composições inéditas, batendo a casa das 50 mil cópias, o que levou a banda a empreender uma turnê nacional e dar as caras em vários programas de televisão. Não era raro vê-los no Chacrinha, no Fantástico, no Bolinha ao longo de 1987. Armadilha puxou o disco, mas Máquinas também fez muito sucesso, seguida por Deus Ateu e Mentiras, além da clássica e simpática A Última do Lado A, que, claro, encerrava o primeiro lado do LP. Ao fim do ano, Armadilha, com os belos versos “mas não troquei minha boca fechada pelas suas palavras vazias, você me fez envelhecer um ano a cada dia, você me fez cair outra vez na minha armadilha”, foi uma das músicas mais executadas pelas estações de rádio do país. Sim, nossas emissoras de rádio tocavam essas canções.

 

 

No ano seguinte, mais duas baixas: Neto e José Flores deixaram o Finis e voltaram para Brasília. Roberto Medeiros (baixo), Mac Gregor (teclado) e César Nine (guitarra) entraram para a banda e, com essa formação, se apresentaram até 1990, quando, encerraram suas atividades. Nove anos mais tarde, em meio ao boom da nostalgia dos anos 80, a banda retornou para vários shows, num projeto em que recebia outra banda contemporânea, chamado Anos 80 Rock Brasil, quando dividiram palco com Hojerizah, Black Future, Zero, Violeta de Outono e outras. Lançaram um EP de remixes e um disco ao vivo em homenagem aos 20 anos do EP Finis Africae, com todos os integrantes das diversas formações da banda.

 

 

Mesmo com o início de carreira independente e as comemorações mais recentes, o primeiro – e único – disco do Finis Africae pela EMI permanece inédito em CD, desconhecido da enorme maioria dos fãs do Rock nacional dos anos 80. É um trabalho cheio de nuances, com fortes linhas de baixo e com um dos grandes vocalistas daquele período, Eduardo de Moraes. Já passou da hora das gravadoras olharem com mais carinho para seus acervos e colocar esses discos nas prateleiras ou disponibilizá-los para download. A memória do Rock nacional agradece.

 

 

CEL

Carlos Eduardo Lima (CEL) é doutorando em História Social, jornalista especializado em cultura pop e editor-chefe da Célula Pop. Como crítico musical há mais de 20 anos, já trabalhou para o site Monkeybuzz e as revistas Rolling Stone Brasil e Rock Press. Acha que o mundo acabou no início dos anos 90, mas agora sabe que poucos e bons notaram. Ainda acredita que cacetadas da vida são essenciais para a produção da arte.

3 thoughts on “O disco do Finis Africae pela EMI

  • 14 de maio de 2023 em 18:46
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    Esse é um dos xodós da minha coleção, garimpado em um sebo no centro de Brasília meses atrás. Muita banda boa ficou nas sombras da linha de frente Legião-Capital-Plebe. Uma pena.

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  • 9 de maio de 2023 em 17:26
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    Verdade. Muitas bandas boas. Obrigado pelo comentário.

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  • 9 de maio de 2023 em 12:11
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    Pois é, O Sr. Marcelo Fróes, a frente da gravadora Discobertas, que nos últimos anos tem lançado em cd vários nomes de nossa música, deveria ter editado também no mesmo formato, algumas bandas esquecidas do nosso rock , e que também nunca tiveram a chance das prensagens em “bolachinha prateada”…um pena, saber que, assim como a banda resenhada acima, muitas outras, nunca foram editadas em cd…triste isso.

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